RIO - Na virada de 29 para 30 de abril de 1945, cerca de 200 brasileiros em 13 carros blindados forçaram a rendição de 14.779 homens de três divisões alemãs (148, Panzer e Bersaglieri) na região de Collecchio e Fornovo di Taro, no Norte da Itália, durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Após se deparar com o imenso efetivo alemão, o então capitão Plinio Pitaluga solicitou o apoio do Comando da FEB, que enviou o 6º Regimento de Infantaria para auxiliar na rendição.
A história é pouco conhecida, provavelmente porque, como uma divisão não se rende à outra, quem recebeu a rendição foi o 4° Corpo do Exército Americano, mas a manobra foi iniciada pelo 1° Esquadrão de Reconhecimento, unidade formada em 1943 para ir à Segunda Guerra. Com o fim do conflito, a unidade passou a se chamar Esquadrão Tenente Amaro, em homenagem ao tenente Amaro Felicíssimo da Silveira, morto em combate durante uma patrulha antes do ataque a Monte Castelo. Na semana que vem, o esquadrão que desde 1974 funciona em Valença, no Sul Fluminense, completa 70 anos de criação.
- Como unidade, o esquadrão era pequeno, pouco expressivo na FEB, mas teve essa participação importante e é citado em livros americanos como uma pequena unidade que derrotou uma grande. Os alemães acharam que os blindados eram a ponta de lança de uma unidade maior e se renderam - conta o pesquisador de assuntos militares, Expedito Carlos Stephani Bastos, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Com uma participação modesta, com cerca de 25 mil homens, muitos militares da reserva, muitos não militares, e mais de 70 mulheres enfermeiras, a FEB capturou ao todo 20.573 homens numa campanha que durou exatos 239 dias, em temperaturas baixas, sem roupas adequadas, experimentando comidas diferentes e, segundo contam os historiadores, se adaptando bem.
- Teve gente que aprendeu a dirigir os carros em uma semana, as armas eram diferentes e até o uniforme que os brasileiros usaram foi dado lá. Mas a única coisa que os assustou foi a divisão entre negros e brancos no exército americano.
De herança do conflito, Expedito aponta todo o sistema de carros blindados existente hoje. Antes da Segunda Guerra, o Brasil tinha como base uma escola francesa de guerra, com veículos de quatro rodas e sobre esteiras, por exemplo. Depois do contato com os americanos, surgiu o conceito de blindados de seis rodas usado até hoje.
- O projeto do Guarani (que substituiu o Urutu nas Forças Armadas este ano) é quase um desdobramento do que houve lá - explica o pesquisador.
Correspondência solidária
Responsável por reunir documentos e montar o Museu Militar Capitão Pitaluga, inaugurado em 2002 em Valença, o tenente Gerson Ribeiro Romano, que esteve à frente do museu de 1999 a 2010, conta que todo o reconhecimento de estradas por onde a FEB passava era feito pelos 13 blindados do esquadrão, com apoio ou sozinhos. No caso da grande rendição, sozinhos.
- Primeiro vai a cavalaria, depois chega a infantaria a pé ou de caminhão, numa via que já foi reconhecida de carro. Já imaginou se a guerra fosse toda feita pé, como a Primeira? - questiona. - Essa é a responsabilidade da cavalaria, que nunca recua, ou avança ou atravanca - brinca ele.
Na época em que organizou o museu, Gerson encontrou parte da correspondência enviada aos militares na Itália e conta que, na guerra, saíram da cidade 469 pessoas do Batalhão de Saúde. E voluntárias da cidade iam de casa em casa escrevendo ou lendo cartas dos parentes para os soldados que estavam em combate.
- Os homens do 1° Esquadrão de Reconhecimento se prepararam e se sacrificaram para serem empregados fora do país, longe da família, sem telefone e com contato somente por carta, no maior conflito mundial já existente, em defesa do nosso Brasil e lutando contra a expansão do nazismo e do fascismo - analisa o atual comandante do Esquadrão de Cavalaria Leve Tenente Amaro, major Camilo Pereira Antunes.
A criação da FEB e a ida dos brasileiros para a Itália colaboraram para a desaceleração do Estado Novo de Getúlio Vargas e reforçaram a luta pela democracia, segundo a historiadora Dulce Pandolfi, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).
- Havia uma pressão no Brasil, questionava-se como nossos soldados estavam indo lutar pela democracia se não havia democracia internamente. Nesse momento Getúlio tinha perdido os aliados, porque havia vários liberais que o apoiaram contra a República Velha em 1930 (quando ainda não se tinha ideia do estado autoritário que viria depois), mas de quem ele foi se livrando depois, foram todos perseguidos ou presos - observa ela.
Projeto se voltou contra Getúlio
Depois da Revolução de 1930, no movimento de construção da nação, fazia todo sentido fortalecer e equipar as Forças Armadas, os temas defesa e segurança nacional estavam em alta e enviar os militares à guerra fazia parte desse projeto.
- O governo de Vargas tentava tirar partido da “neutralidade”, mantendo uma equidistância pragmática da Alemanha e dos Estados Unidos, com um certo namoro com o nazifascismo. Mas depois que os submarinos alemães atacaram navios mercantis brasileiros, em 1942, a pressão aumentou para que entrássemos na guerra ao lado dos Aliados. E entramos. No fim o projeto de Getúlio acabou se virando contra ele - analisa a historiadora.
Se na época a FEB adotou como lema “A cobra está fumando” em alusão ao que se dizia, de ser mais fácil uma cobra fumar cachimbo do que o Brasil participar da guerra na Europa, hoje os militares relembram o feito com a saudação “A cobra está sempre a fumar”.