Fila para comprar comida na Venezuela (Reprodução)
Com o preço do petróleo do tipo Brent tendo despencado 22% nos últimos 12 meses — estando hoje por volta de US$85 o barril —, o governo da Venezuela está entrando em desespero. Preços menores colocarão enorme pressão sobre a economia venezuelana — totalmente dependente das receitas da exportação de petróleo —, que hoje sofre com profundos e crescentes desequilíbrios macroeconômicos.
No entanto, mesmo com todos os problemas que essa redução no preço do petróleo criou para seu governo, o presidente Nicolás Maduro decidiu dobrar a aposta em suas atuais políticas econômicas. Em vez de tentar uma impopular reforma econômica, Maduro está apenas à espera de uma retomada dos preços do petróleo e de mais crédito fornecido pelo governo chinês.
A explosão nos preços das commodities ocorrida a partir de meados da década de 2000 permitiu que a Venezuela, que possui as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, mantivesse um volumoso programa de gastos sociais combinado com controles de preços e salários e com um mercado de trabalho extremamente rígido. Todo esse insano castelo de cartas conseguiu se manter solvente por um bom tempo unicamente por causa das receitas do petróleo.
No entanto, uma redução na demanda mundial por petróleo em conjunto com um aumento na produção no Oriente Médio e um forte aumento na produção de gás de xisto nos EUA — que está fazendo com que o custo da energia venha caindo vigorosamente nos EUA — derrubaram o preço do petróleo do tipo Brent para o menor valor em quatro anos.
Estas alterações serão profundamente sentidas na Venezuela, um país em que o petróleo é responsável por mais de 95% das exportações da economia e por aproximadamente 45% de toda a receita do governo. A queda nos preços do petróleo irá reduzir as receitas de exportação da Venezuela, exacerbando o já monumental déficit orçamentário do governo — em 2013, quando o preço do petróleo ainda estava alto, o déficit orçamentário do governo foi de 11% do PIB — e restringindo sua capacidade de acumular divisas internacionais.
Caso o valor do barril do petróleo permaneça abaixo de US$120 — valor necessário para o governo equilibrar seu orçamento —, a situação fiscal do governo irá se deteriorar ainda mais.
Mais de uma dezena de casos semelhantes estão pendentes nos tribunais internacionais, os quais elevariam em vários bilhões as obrigações da Venezuela. Ainda no início deste ano, a Standard & Poor’s estimou em 50% as chances de a Venezuela dar o calote em sua dívida ao longo dos próximos dois anos. Após os últimos eventos, novas estimativas elevaram essa probabilidade para quase 100%.
A reação de Caracas à queda nos preços do petróleo indica que o governo da Venezuela manterá sua postura nos próximos meses. Algumas semanas atrás, Maduro veio a público para repetir o mantra favorito da esquerda latino-americana: ele disse que a queda nos preços do petróleo foi causada por “inimigos estrangeiros” que querem “desestabilizar” seu governo popular. Em seguida, a Venezuela conclamou uma reunião de emergência com a OPEP para pedir aos países-membros que reduzissem a produção e a oferta.
No entanto, os países da OPEP ainda não demonstraram nenhuma intenção de atender aos clamores de Maduro. A Arábia Saudita, o único país com alguma capacidade de fazer grandes cortes em sua produção, não parece propensa a alterar o atual arranjo, uma vez que a queda nos preços está ajudando a proteger a decrescente fatia do país no mercado de petróleo.
E mesmo uma eventual e imediata redução na produção de petróleo pelos sauditas não garantiria nenhuma retomada de preços: a capacidade da OPEP de determinar os preços do petróleo foi severamente enfraquecida pelo estrondoso aumento na produção de gás xisto nos EUA, o que vem erodindo o monopólio até então usufruído pelos tradicionais ofertantes. Adicionalmente, como já dito, a demanda global por petróleo está em arrefecimento.
A China parece mais propensa e mais bem posicionada do que a Arábia Saudita para ajudar Maduro. Desde 2006, Pequim já forneceu mais de US$50 bilhões em financiamentos para Caracas, sendo que a quitação desses empréstimos foi acordada em termos de envio de petróleo para a China, a preços de mercado. Uma assistência adicional dos chineses poderia ajudar o governo madura a manter seus elevados gastos, ou ao menos fornecer uma liquidez temporária para evitar um iminente calote.
Em última instância, essa assistência chinesa pode ajudar apenas temporariamente a economia venezuelana. A acentuada queda nos preços do petróleo expôs a frágil situação do país. Com as receitas do petróleo em baixa, o governo venezuelano passou simplesmente a imprimir dinheiro para financiar seus gastos. Oficialmente, a inflação de preços está em 60% ao ano. Mas estatísticas privadascolocam esse valor em aproximadamente 350%. A imposição de controle de preços gerou um desabastecimento generalizado no país-
Para desestimular uma revolta, o governo parou de divulgar estatísticas sobre a escassez. O mesmo recurso foi utilizado quando a criminalidade saiu do controle.
Para piorar, a produção de petróleo do país desabou em decorrência da corrupção e da incompetência dos burocratas que administram a estatal petrolífera PDVSA, a qual é utilizada como um caixa sem fundo para financiar os programas do governo. O desvio do dinheiro deixou a empresa descapitalizada e impossibilitada de fazer novos investimentos. Como consequência, a produção de petróleo é hoje 13% menor do que era em 1999, quando Hugo Chávez assumiu o governo. Um país que boia sobre petróleo passou a ter de importar o produto.
Não é de se estranhar, portanto que a aprovação ao governo Maduro esteja em queda livre. Para tentar conter uma inevitável revolta popular, Maduro recentemente ordenou um aumento de 15% no salário mínimo. Uma semana antes, ele já havia ordenado um aumento de 45% no salário dos militares. Manter o apoio das forças armadas é essencial para impedir um golpe de estado.
No entanto, se a nova realidade econômica afetar o fluxo de dinheiro para burocratas corruptos e para seus grupos de apoio, os quais lhe dão sustentação, Maduro poderá enfrentar uma hostil oposição da elite do país.
Como disse a revista The Economist, a Venezuela é provavelmente o país que tem a pior gerência econômica do mundo.
Frida Ghitis é colunista de assuntos econômicos do site World Politics Review, além de consultora. Já trabalhou em todos os cantos do mundo, do Iraque à Argentina, do Camboja ao Brasil, da Somália à Argentia, do Tibet ao Kuwait, da Colômbia ao Egito.