O jornal O Globo informa, hoje, que em meio a disputas em torno do segundo escalão do governo, o Palácio do Planalto decidiu que não haverá “porteira fechada” no preenchimento de cargos nos ministérios — ou seja, os partidos que indicaram os ministros não terão o direito de nomear os ocupantes de todo o segundo escalão. A presidente Dilma Rousseff determinou que o ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas, receba as demandas dos partidos que comandam cada pasta da Esplanada, mas que nenhuma legenda tenha poder absoluto sobre sua área. Haverá a predominância do partido que ocupa o ministério, mas outros aliados comporão a equipe.
É uma pouca vergonha. O ministro indicado recebe a incumbência e, pendurado nelas, nomeados políticos de partidos adversários, gerando custos sem produzir absolutamente nada. É a cara de um governo petista. É a cara de uma presidente incompetente chamada Dilma Rousseff. É a cara do Brasil, antro de corrupção e ineficiência.
A Exame está publicando uma entrevista com Vicente Falconi, consultor especialista em gestão que já trabalhou para diversas empresas privadas e órgãos públicos. “Precisamos planejar o futuro. Sem isso o país ficará ao sabor dos acontecimentos, com crises a todo o momento. Ninguém aguenta isso”, afirma o consultor.
Após a eleição de Dilma, Falconi divulgou três cartas à presidente, com os temas gestão e o futuro do país. Dentre as sugestões, o consultor destaca a criação de uma organização focada em fazer contas para planejar as decisões do governo.
Falconi foi um dos responsáveis pelo que ficou conhecido como "choque de gestão" do governo Aécio Neves (PSDB), em Minas Gerais. O processo ajudou a reorganizar as contas do estado.
Segundo Falconi, o país ter 22 mil cargos comissionados é um acinte. "Os Estados Unidos têm 200", diz. "Uma maneira de prestigiar a nossa máquina pública é recrutar bem, treinar bem, educar bem, prestigiar o nosso funcionário, fazê-los progredir na carreira e não ficar enfiando gente de fora, de partido. Isso não tem sentido", afirma o consultor.
Leia a entrevista abaixo.
EXAME.com - Quais deveriam ser as primeiras medidas do segundo governo Dilma em termos de gestão?
Vicente Falconi – Se estivesse ao lado dela dando palpite, eu iria aconselhá-la a iniciar um planejamento estratégico para o país. Existem alguns países do mundo, como a Coreia do Sul, que planejam os próximos 60 anos.
Aí alguém pode falar que isso é impossível, que tudo muda. Se a gente acha que não pode planejar 60 anos, vamos planejar 20. Mas temos que pensar no futuro, e temos que fazer conta.
Por exemplo: se queremos crescer 3% ao ano, o que isso requer de energia? Quanto tenho de investir? Em termos de infraestrutura, o que isso requer dos portos? Como vão ser as exportações? Tem que ter um quadro, alguma coisa que ilumine o gestor público para que ele possa tomar decisões.
EXAME.com – Como fazer esse planejamento?
Falconi – Isso só seria possível se houvesse uma organização que fizesse essa formulação estratégica para o país. Então o que sugiro é isso: estabelecer estruturalmente uma organização de Estado para fazer essa formulação estratégica nacional. Basicamente é uma organização para fazer conta. E essa organização deveria ter uma verba própria para contratar os melhores especialistas do Brasil.
Formulação estratégica é tentar olhar um pouco mais para frente no futuro para que a gente possa se organizar melhor. A alternativa a isso seria ficar gerenciando o país ao sabor dos acontecimentos, com crise aqui, crise ali, apagão acolá. Ninguém aguenta isso, é muito estressante.
EXAME.com – Que outras medidas seriam importantes?
Falconi - São várias. Temos o exemplo do governo do Rio de Janeiro, que nos contratou para mexer na parte de educação. Uma das coisas que percebemos foi que a secretaria de educação do Rio tinha mais de 100 mil pessoas trabalhando e não tinha um departamento de recursos humanos. Qualquer empresa no Brasil com 500 pessoas tem um RH.
Aí fui descobrir que no governo as pessoas confundem RH com departamento de pessoal que trata de salário. Não tem nada a ver. Pedimos para ele colocar um departamento de RH que cuidasse de educação e treinamento, avaliação de desempenho, recrutamento e seleção. Cuidar do tratamento das pessoas. O governo topou e montamos. Em três anos, o estado do Rio de Janeiro saiu do penúltimo lugar em educação no Brasil e foi para quarto lugar.
EXAME.com – Isso poderia ser aplicado no governo federal?
Falconi - Sugiro para a presidente montar um RH nacional, montar um plano de carreira para todos os funcionários, não só para alguns. Na Polícia Federal hoje tem carreira, na Receita Federal também tem. Mas se você for a outros setores do governo federal não tem. Precisamos reforçar o funcionalismo público. A máquina do estado brasileiro é uma máquina do nosso funcionalismo, temos que prestigiá-lo.
EXAME.com – Há algum bom exemplo no governo federal hoje?
Falconi - Existem vários setores do governo federal e dos governos estaduais que são muito bons. A própria Polícia Federal teve uma melhora fantástica depois que Lula colocou o Márcio Thomaz Bastos para atuar ali. Ele estruturou a organização de uma tal maneira que hoje ela está dando resultado.
Eu estive lá, a Polícia Federal foi nossa cliente, e é um espetáculo. Dá até orgulho de ver uma organização bem montada, com as pessoas, os funcionários jovens, acreditando. É bonito.
Então por que não pode ser o governo inteiro assim? A máquina pública pode funcionar perfeitamente, desde que seja prestigiada. É preciso estruturar as carreiras em todo o governo federal, equalizar os salários por nível de dificuldade, existem muitas discrepâncias salariais. Tem que dar uma arrumada geral, por isso que precisa de um RH.
EXAME.com – Além de ter um RH, que outras medidas ajudariam a prestigiar esses trabalhadores?
Falconi - No Brasil temos um vício acumulado de vários governos, um vício nacional, que não se limita a esse ou àquele partido, que é o fato de termos 22 mil cargos comissionados. Os Estados Unidos têm 200.
Isso é um acinte à máquina pública do estado. Uma maneira de prestigiar a nossa máquina pública é recrutar bem, treinar bem, educar bem, prestigiar o nosso funcionário, fazê-los progredir na carreira e não ficar enfiando gente de fora, de partido. Isso não tem sentido.
Minha sugestão é, dentro do politicamente possível, tentar reduzir essa massa de cargos comissionados. E de preferência reduzir na lei, proibir acima de 500, por exemplo. Acho que esse é outro ponto deletério para o nosso país.
EXAME.com - Essas sugestões que o senhor dá não são especificamente para a situação do governo Dilma. São problemas que estão aí há décadas.
Falconi – Pois é, mas alguém tem que começar a consertar isso.
EXAME.com - Considerando a atual situação política e econômica, o senhor acha que o governo federal precisa de um “choque de gestão”?
Falconi – Essa expressão tem muita bobagem por trás, muita disputa política, não gosto dela. O que todo mundo precisa, tanto as empresas quanto os governos, seja federal, estadual ou municipal, é de gestão. Gerenciamento. As pessoas precisam entender o que é isso para começo de conversa, porque a maioria não sabe o que é.
EXAME.com – Em termos práticos, o que é gestão?
Falconi - Gestão é simples. É você colocar um sonho, pensar “para onde quero levar o meu país?”. A partir disso, fazer a formulação estratégica, colocar metas, montar os planos de ação, correr atrás, implementar os planos, pegar os resultados, pegar a máquina operacional e traçar os processos, padronizar, treinar as pessoas. Tudo isso é gestão, e muito pouco disso é feito. Não precisa dar choque, não! Tem que ter gestão.
Os políticos devem brigar lá entre si para decidir que direção o país vai ter. Agora, técnico não gosta disso, técnico gosta de trabalhar, para quem quer que seja. Gestão não tem ideologia. Qualquer ideologia que estiver lá deveria colocar meta, ter plano de ação, padronizar, reforçar a máquina pública.
EXAME.com – O senhor chegou a ser convidado para atuar junto ao governo em gestão?
Falconi – No primeiro governo Dilma fui trabalhar junto com o Jorge Gerdau, assim como outras consultorias foram. Mas a sensação que tive é que a prioridade da presidente não desce na máquina. Não desce com a mesma intensidade que está na cabeça dela, e aí isso vai para a imprensa mais distorcido ainda, entendeu?
Quando falo para reforçar a máquina pública é exatamente para que essas orientações possam escoar melhor. A presidente me falou que ela queria atuar nos postos de saúde, e montamos uma proposta para atuar nos postos de saúde e nos hospitais. Fizemos uma proposta e ela está lá no Ministério da Saúde. Não toparam.
EXAME.com – Acha que isso é uma característica desse governo especificamente?
Falconi - Independentemente do partido ou da pessoa que esteja no poder, o que é prioridade na cabeça do presidente nem sempre escoa de forma uniforme na máquina pública. No governo Lula foi a mesma coisa. Percebemos uma dificuldade crescente na medida em que você desce na máquina pública. Não sei se isso acontece porque a máquina é fraca, não sei por quê. Mas fiquei muito triste com essa história do Ministério da Saúde. Isso me afetou particularmente.
EXAME.com – E nesse segundo mandato de Dilma, existe alguma conversa com o senhor?
Falconi – Não. Estou doido que tivesse, viu?
EXAME.com – O senhor criticou os cargos comissionados. Qual o problema com eles?
Falconi – Vamos fazer um paralelo com as empresas. Quando um jovem entra na empresa, ele fica de olho em crescer. Ele quer aprender mais coisas, evoluir. No governo, a pessoa que ser ministro, ou quer ser secretário-geral do ministério.
Na hora que você desembarca com 22 mil pessoas por cima, indicações políticas, primo, tio de não sei quem, você desmoraliza a máquina, desmoraliza todo aquele esforço. A máquina fica sem cultura, sem destino, não tem comprometimento, não existe uma cooperação pessoal porque falta confiança, ninguém sabe para que aquela pessoa veio. É um negócio muito triste.
Sou sempre contra contratar gente de fora. Prefiro promover de dentro. Porque quando você contrata de fora, é um recado para a máquina, como se dissesse: “Vocês são uns incompetentes, eu tive que trazer de fora”. É um balde de água fria. Aí depois ficamos reclamando que educação, saúde e segurança estão ruins.
EXAME.com – Agora, pensando nos servidores e funcionários que fizeram concurso público. Como estimular essas pessoas a serem mais eficientes?
Falconi – Você não precisa estimular ninguém para ser eficiente. Já chegamos em locais com pessoas desanimadas e vimos aquilo virar. Ser humano é tudo igual. Você não tem um ser humano funcionário público e um ser humano funcionário de empresa privada. As pessoas têm as mesmas necessidades, todos querem ser respeitados, gostam de ter o seu trabalho reconhecido, sentem prazer em atingir uma meta.
Agora você vai para uma máquina pública que você desrespeita, que enche de quadro político, ou de parente de político, e você quer que uma pessoa dessa ainda fique animada? Não dá treinamento, não cuida do desenvolvimento das pessoas e ainda quer que elas sejam produtivas? Francamente, isso é uma total insensibilidade. Não admito que uma pessoa fale que funcionário público é improdutivo, ou ineficiente. Não concordo. Eles são matéria-prima tão boa quanto em qualquer multinacional.
EXAME.com – Outro ponto sempre levantado é a necessidade de corte de custos. Há muito desperdício de recursos na gestão pública?
Falconi – Olha, uma coisa é custo, outra coisa é desperdício. Existem custos que devem até ser aumentados, não vamos nos enganar. Quando propomos reduzir custos traduza por eliminar desperdícios.
Os desperdícios são dos mais variados que você pode imaginar. Por exemplo: você vai importar um remédio para distribuir para a rede de postos de saúde. Mas aí o processo de compra é demorado. Depois, a alfândega demora para liberar. Aí vai para o depósito e demora para distribuir. Aí distribui errado, em vez de mandar 500 unidades para um hospital, manda 5 mil. E aí em certos lugares o remédio já chega vencido. O desperdício está embutido em muitas coisas.
EXAME.com – Então cortar custos não significa ameaçar programas sociais e políticas públicas?
Falconi – Não, só pode ser melhorar política pública. Porque custo que você realiza para o bem, você pode até aumentar. Nas empresas é a mesma coisa. Por exemplo, você tem custo de marketing. Você não deve tirar. Porque se tirar, suas vendas caem. Aquilo é um custo bom.
No trabalho que fizemos para o estado do Rio de Janeiro em educação, a primeira coisa foi a redução de desperdício. Em um ano, só na secretaria de educação, tiramos R$ 170 milhões. Para onde foi esse dinheiro? Para os professores. Foram criados vários programinhas para melhorar a vida dos professores. R$ 170 milhões é muita grana, e era tudo dinheiro jogado fora. Tiramos esse dinheiro e não alterou em nada a vida da secretaria.
EXAME.com – Jogado fora como?
Falconi – Quer um exemplo? Descobrimos que a secretaria pagava banana para dar aos estudantes. Mas a quantidade que pagava não era a mesma quantidade que o estudante comia, porque checamos. E fomos ver que realmente tinha alguns milhõezinhos perdidos no contrato da banana. São coisas assim que a gente vai descobrindo. Em gestão você faz conta, checa tudo, determina o processo, vê onde é que tem os pontos falhos.
EXAME.com – O senhor falou sobre a questão da autoestima dos funcionários. O que fazer para recuperar a autoestima de uma empresa envolvida num escândalo com o da Petrobras?
Falconi – Prefiro não responder a essa pergunta. É um assunto que está quente, que está no domínio político, é um assunto sensível.
Só te digo uma coisa: tenho imenso respeito pela Petrobras, conheço várias pessoas lá, já prestei serviço lá nos últimos 30 anos e tenho muito orgulho. É uma empresa que montou um processo complexo, superou desafios. Eles encontraram 252 dificuldades e montaram 252 projetos, venceram todos. Chegaram a 1.500 metros de profundidade e passaram. Hoje estão no pré-sal, a 7 mil metros de profundidade.
É uma empresa maravilhosa. Aposto com você que tem gente que chora de raiva quando fica sabendo de um caso de corrupção. Porque as pessoas têm orgulho da empresa que trabalham. Tenho muitos amigos lá e me preocupo com eles, eles devem estar muito chateados com tudo o que está acontecendo. Isso não é bom para a empresa, não é bom para o país.