Os últimos governos brasileiros, sejam tucanos ou petistas, estiveram empenhados em promover uma política de restrição às armas de fogo visando, inclusive, proibir o acesso da população civil a tais ferramentas. O argumento utilizado girava em torno de uma pretensa preocupação com a segurança pública e com a necessidade de estancar o crescimento das mortes violentas no país. Entretanto, a suposta “boa intenção” de nossos governantes mascarava o real motivo da implantação da política de controle de armas.
A tese desarmamentista, que vigora no Brasil desde a década de 1990, não nasce da mobilização da sociedade civil, como querem fazer acreditar alguns inescrupulosos, se assim o fosse, o resultado do referendo de 2005 teria sido muito diverso. Trata-se, porém, de uma imposição da ONU, notadamente direcionada para países de terceiro mundo. No afã de obter as migalhas de dita organização, o país já cometeu uma série de erros crassos, dentre os quais, mandar soldados para morrer e matar no Haiti, sendo que cada brasileiro em dito país, abonava um soldado dos EUA, permitindo o incremento das tropas americanas no Iraque para exterminar o regime de Saddam Hussein e se apropriar do petróleo iraquiano.
A obediência servil dos governantes brasileiros à ONU mostrou-se ineficaz em vários sentidos. Por um lado, nossas autoridades públicas não angariaram nenhum posto de relevância em dita organização e, por outro, o resultado prático das políticas de desarmamento mostrou-se absolutamente nefasto. A própria ONU reconheceu em 2011 não haver nenhuma prova da relação entre o comércio legal de armas de fogo e as taxas de homicídios, sendo assim, seria digno se nossos governantes reconhecessem o equívoco, proporcionando uma adequação na legislação de armas, contudo, parece inevitável continuar mentindo para “o bem da nação”.
Feitas tais considerações, é preciso analisar criticamente alguns dados. Com a vigência do estatuto do desarmamento ficou estipulado que o mero registro de uma arma de fogo deveria ser renovado a cada três anos, exclusivamente nas delegacias da Polícia Federal, as quais, diga-se de passagem, são pouco mais de uma centena em um país de mais de cinco mil municípios. A adoção de tal política gerou uma desconfiança na população civil fazendo com que o número de registros de armas ficasse muito aquém do esperado. De tal modo, em 2009 o governo federal possibilitou a derradeira oportunidade para o registro das armas de civis promovendo a chamada “Anistia das armas”. Na época, qualquer cidadão maior de 25 anos poderia registrar uma arma em seu nome, não era necessário absolutamente nada, nenhum laudo psicológico, nenhum laudo de capacidade técnica para o manuseio da arma, nem mesmo as certidões negativas de antecedentes criminais. A referida “anistia” surtiu efeito, sendo que em 2010 o Sinarm chegou a contar com um total de 8.974.456 armas.
Não sabiam os “anistiados” que a política implantada em 2009 era válida apenas para o primeiro registro, afinal, estava mantida a obrigatoriedade da renovação periódica, entretanto, as renovações subseqüentes exigiam todo o rigor da lei, incluindo ai, os laudos e certidões negativas. Essa realidade gerou um caos para as varas criminais e para o sistema penitenciário, uma vez que a não renovação periódica de registro de arma configura crime previsto no artigo 12 da Lei 10.826. O fato é que em 2015 o Sinarm conta apenas com 631.144 registros ativos, ou seja, de 2010 até hoje, mais de oito milhões de armas de fogo foram jogadas na ilegalidade gerando a criminalização de seus proprietários e ainda há quem diga que o estatuto do desarmamento permitiu o “controle” das armas de fogo existentes no país.
No campo da segurança pública os resultados também são trágicos. Após o estatuto do desarmamento houve um aumento do número de homicídios praticados por armas de fogo. Em 2012 bateu-se o macabro recorde de cinqüenta e seis mil assassinatos, demonstrando assim, que a atividade criminosa independe do comércio legal, afinal, os calibres permitidos para uso civil são obsoletos para o crime. No Brasil do desarmamento as organizações criminosas dispõem de toda sorte de armas automáticas, incluindo aí, artilharia antiaérea. É preciso reconhecer, é verdade, que essa não é uma exclusividade nossa: o Japão pratica o desarmamento civil desde o século XVI e até hoje a Yakuza permanece armada, sem considerar o fato de que se trata de uma ilha, muito mais fácil de ser controlada se comparada à imensidão das fronteiras territoriais brasileiras.
Mesmo com todas essas evidências permanece a insensibilidade do governo sendo que os maiores prejudicados são sempre os mais pobres. Há aqueles que são frontalmente contrários a qualquer alteração na legislação vigente, com isso, seguiremos numa política de “faz de conta”, os proprietários de armas seguirão sendo criminalizados, ao passo que o governo não dá uma resposta clara à sociedade sobre o que efetivamente será feito com as mais de oito milhões de armas jogadas na ilegalidade pelo estatuto do desarmamento e dentro desse contingente encontra-se, por exemplo, a velha espingarda do ribeirinho amazônida que depende do manejo da fauna e do abate de animais para obter proteína de carne. Muita gente pode não saber… mas não existe supermercado dentro da floresta.
(*) Josué Berlesi, 31, docente UFPA/Cametá.