Todos os partidos estão implicados. A nova lei foi votada em um clima de indiferença e de leviandade que causa vertigens.
Na quinta-feira 18 de fevereiro, sub-repticiamente, em surdina, sob a indiferença geral e o desinteresse absoluto da mídia, a Assembleia Nacional aprovou em caráter definitivo o projeto de lei sobre a imigração apresentado por Manuel Valls e Bernard Cazeneuve. A reforma aí prevista transforma profundamente o sistema francês de imigração. Essa lei – por que não dizê-lo? por que dissimulá-lo? – vai, sem a menor dúvida, operar no sentido da abertura, do acolhimento, do fortalecimento dos direitos dos estrangeiros e, doutra parte, deve atuar no sentido do enfraquecimento dos instrumentos do Estado para a luta contra a imigração ilegal.
Essa lei cria um cartão plurianual de quatro anos (artigo 313-17 do Código de ingresso e permanência de estrangeiros e direito de asilo – CESEDA). Com isso, dá fim ao sistema clássico francês representado pelo cartão de permanência temporária, válido por um ano e renovável ao longo de cinco anos, como pré-condição para a concessão do título de residência de dez anos. Esse sistema impunha um período probatório a um solicitante estrangeiro, que devia dar provas de sua vontade de integração antes de obter um título durável de permanência. De agora em diante, o estrangeiro obtém, ao fim do primeiro ano, um cartão de permanência de quatro anos, ficando dispensado de renovar seus comparecimentos periódicos junto à autoridade.
A nova lei aprovada ontem prevê um dispositivo particular em favor dos estrangeiros em situação irregular, enfermos, após três meses de residência. Acometidos de alguma doença de “gravidade excepcional” – termo que abrange quase todas as doenças graves, inclusive psiquiátricas –, desde que não tenham meios pessoais para serem cuidados em seus países (renda suficiente, previdência social, hospital próximo ao domicílio), obtêm o direito de se regularizarem na França e de utilizarem o sistema de saúde francês (artigo L313-11-11 do CESEDA). Incumbe à administração, se pretende negar a regularização, apresentar as provas de que o estrangeiro dispõe pessoalmente dos meios de ser cuidado em seu país. Esse dispositivo abre uma brecha perigosa, que deve alargar-se mais e mais, sem que possamos ver quando irá parar.
Ainda, a lei Valls-Cazeneuve torna infinitamente mais complicada a luta contra a imigração ilegal. Ela suprime a retenção administrativa de cinco dias, durante a qual a autoridade pode decidir pela manutenção da retenção e, se for o caso, pela deportação do estrangeiro em situação irregular. Essa retenção, com a nova lei, passa a ser de quarenta e oito horas (artigo L551-1). Ora, os juízes são, em sua maioria, extremamente reticentes em manter essas retenções em virtude de seu distanciamento relativamente aos estrangeiros em situação ilegal que não tenham cometido delitos penais (a jurisprudência e a Lei Valls de 31 de dezembro de 2012 descriminalizaram a permanência irregular). Em 48 horas, é totalmente impossível à autoridade organizar a deportação de um estrangeiro em situação irregular. O dispositivo de luta contra a imigração ilegal deverá ficar, portanto, em grande parte obstruído. Ademais, a nova lei interdita que se mantenham retidas administrativamente as famílias com um membro em menoridade (artigo L551-1 et L561-2). A partir de então, a deportação de famílias em situação irregular resulta quase impossível.
Atualmente, para quatro situações de deportação, apenas uma é efetivamente levada a cabo. A nova lei tem potencial suficiente para agravar ainda mais a paralisia do Estado na luta contra a imigração ilegal.
Na situação atual, quando a crise dos imigrantes chega ao seu clímax na Europa, essa reforma terá necessariamente por efeito o enfraquecimento do Estado na gerência do problema da imigração. Ainda, com essa lei, ganha força a ala mais ideológica do Partido Socialista. O alarde de rigor, através da constitucionalização da revogação de nacionalidade, totalmente inútil, mal esconde a tendência a uma abstenção mais geral. Mas todos os partidos estão implicados. A nova lei foi votada em um clima de indiferença e de leviandade que causa vertigens. Apenas um deputado dos Republicanos esteve presente à Assembleia quando do voto final, concluído em menos de uma hora. Nenhum dos dois deputados da Frente Nacional assistiu a essa sessão (nem à precedente). É interessante ver que esse partido, que prosperou a partir de um discurso anti-imigração, tenha se mostrado totalmente ausente em um debate assim estratégico. Enfim, uma vez mais, face a um interesse essencial para o futuro do país, em plena crise migratória, a classe política na sua totalidade, assim como a mídia, foi surpreendida em manobras de evasão, em atitude profundamente dissimulada. Irresponsáveis todos, e todos culpados.
Tradução: Alexandre Müller Ribeiro