Estudiosos apontam “uma indevida intromissão do Estado na esfera espiritual” por parte do Judiciário
Alguns relatórios internacionais indicam que o Poder Judiciário representa o maior perigo para a liberdade religiosa no país. Marcelo Azevedo, advogado e doutor em Direito pela PUC-SP, estuda o tema há bastante tempo. Ele acredita que a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) deixa isso bem claro.
“O papel iluminista da Suprema Corte, que alguns ministros defendem, é uma burla à democracia e, talvez, o maior perigoso à liberdade religiosa no Brasil”, conclui.
Azevedo implica que é uma compreensão equivocada defender que o Estado brasileiro, por ser laico, deveria “banir” questões religiosas da esfera pública, relegando a experiência espiritual à esfera privada.
Acrescenta que a Constituição “reconhece, prestigia e protege a dimensão espiritual, porque entende que religião é indispensável para a formação integral da pessoa humana”. Na prática, explica, o rito, a doutrina, a auto compreensão e a auto-organização de cada religião deveriam estar imunes à ação do Estado.
Católico, ele diz que o princípio é o mesmo para todas as religiões. Ateus e agnósticos também possuem sua liberdade de não crer protegida pelo ordenamento jurídico. Só que sua compreensão dos temas públicos não poderia ter prioridade sobre as demais, o que parece acontecer por aqui.
Ameaças à liberdade religiosa
O relatório “Últimas Tendências em Restrições e Hostilidades Religiosas”, compilado pelo PewResearch Center em 2015, usou como base dados coletados de 198 países. Ele indica que, apesar do Brasil ter poucas restrições estatais à liberdade religiosa, estava na lista de países onde um alto nível de violência e intimidação limitam as práticas religiosas no dia-a-dia.
Os dados referentes ao ano de 2014 deixam o Brasil na categoria “moderada” de violência e intimidação, embora o país continue no limiar do “alto risco”. As ocorrências detectadas pelo estudo referem-se a crimes, intimidações e assédios, a danos à propriedade privada, à violência entre grupos sociais e à mudança forçada de residência, todos motivados por ódio ou viés religioso.
O dr. Azevedo aponta que uma das maiores ameaças à liberdade religiosa no Brasil é justamente as ofensas de caráter simbólico. Isso ocorreria quando há ridicularização da fé na esfera pública e profanação de imagens, objetos e ritos.
Ainda segundo Azevedo, os posicionamentos do Judiciário são crescentemente ativistas. Ele exemplifica como “uma indevida intromissão do Estado na esfera espiritual”, as recentes tentativas de criminalização da homofobia e a ameaça de impedir a participação das Igrejas na discussão pública.
Proteção jurídica à liberdade religiosa
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Jayme Weingartner, escreveu sua tese de doutorado sobre o tema. Ele concluiu que no direito brasileiro, no tocante à ‘liberdade religiosa como um todo’, há “mais de oitenta posições jurídicas, entre direitos subjetivos de particulares, de instituições religiosas e princípios e garantias institucionais”.
Curiosamente, a expressão “liberdade religiosa” não está na Constituição de 1988, mas isso não significa que o Brasil não a proteja.
O desembargador lembra que ainda estão pendentes de julgamento no STF a previsão de ensino religioso nas escolas públicas, na Concordata de 2008 entre o Brasil e a Santa Sé.
Também aguarda uma decisão final sobre a possibilidade de criminalização do sacrifício ritual de animais por religiões de matriz africana e por ramos do judaísmo e do islamismo. Existem ações no STF, ainda sem decisão definitiva, onde são questionadas a existência de feriados religiosos e o limite da acomodação entre as crenças religiosas e as exigências de concursos públicos. Com informações
Gazeta do Povo