Carlos Latuff é um sujeito afeito ao humanismo típico dos que sonham com um amanhã glorioso pra humanidade e sabem exatamente como se deve agir para chegar lá. Ele é uma alma pura, infelizmente obrigada a existir neste mundo cheio de mazelas capitalistas, reacionárias e, last but not least, cheio de policiais.
Para Carlos Latuff, o mundo seria indiscutivelmente melhor se não existisse polícia. Bope, Rota e afins, então, representam para esse moderno humanismo o satã a ser combatido e erradicado. As polícias, como se sabe, carregam armas. E “as armas matam”, claro… Não sozinhas! Sem dúvida é preciso que se puxe o gatilho de uma pistola automática e Latuff, como todo moderno humanista, sabe bem que quem dispara uma arma é a sociedade, sempre culpada maior de todos os males.
Uma família inteira foi vítima de uma tragédia indescritível. Pai e mãe, ambos PMs, foram assassinados. Uma das linhas de investigação apura a hipótese de o filho de 13 anos ter sido o responsável pelos crimes (ele também morreu – ou teria se matado depois de chacinar os demais, a depender da linha adotada). Acerca de tal episódio brutal e desconcertante, Carlos Latuff escreveu no seu facebook o que segue:
Um filho de 13 é suspeito (sim, por enquanto é apenas suspeito!) de matar os pais e o que Latuff tem a dizer é que ele mereceria uma medalha. É que na escala moral de valores dessa gente, policial é um sujeito sem pedigree; um morto que não merece ser chorado; um câncer que deveria mesmo ser erradicado. Policial não tem família, não tem amor em casa e nem merece respeito. Não são tidos como indivíduos, mas como “aparelho de repressão do Estado”.
Na internet houve muita revolta depois do que Latuff escreveu. Nem setores mais esquerdistas da rede conseguiram emprestar solidariedade ao lixo que o cartunista produziu em sua página pessoal no Facebook e restou, então, a Latuff fazer o que todo moderno humanista faz quando acuado: culpar os reacionários:
O que Latuff não entende é que as palavras dele não irritaram “os reaças”: irritaram a espécie humana! Só não se irritou quem está acostumado a chafurdar no mesmo lixo moral de onde saem comentários jocosos sobre uma tragédia familiar sem tamanho.
Notem que Latuff tenta chamar a turma pro seu lado ao lembrar que tem um “trabalho” sobre a atuação da polícia, como se isso tivesse qualquer relação com o comentário nojento que ele escreveu. Ninguém está discutindo abusos policiais neste caso, mas o fato de uma personalidade ter publicamente defendido que uma criança de 13 anos mereceria uma medalha por ter tirado a vida dos pais PMs. É a esse esgoto a céu aberto que Latuff pretende emprestar ares de divagação sócio-política – sem conseguir, evidentemente.
O que as palavras dele revelam é a prática antiga de certa esquerda ao longo da história: tenta-se desumanizar os adversários, para que se torne mais fácil, então, defender o descarte deles. Os pais mortos em circunstâncias ainda pouco claras não seriam, pois, apenas pais: seriam policiais, “vermes”, “coxinhas”… Enfim, cidadãos de segunda categoria, sem pedigree, cuja morte deveria ser celebrada e o responsável premiado com uma medalha. Dane-se se o responsável tiver mesmo sido o filho de 13 anos das vítimas! O drama familiar não deve comover, pois polícia não é gente e não merece respeito.
Se há abusos e ilegalidades nas polícias (e os há aos montes, como em qualquer outra grande corporação: clero, parlamento, times de futebol…), isso deve ser combatido e denunciado sempre. Mas tomar isso como justificativa para celebrar uma tragédia familiar e, mais que isso, sugerir que uma criança deveria ser condecorada por matar os pais (sempre que tenha sido mesmo ela a matá-los…) beira a sociopatia.
Eu não sei que mundo Latuff considera ideal, mas sei que não há lugar para mim nele. É um mundo onde a chacina de uma família inteira se torna motivo de celebração, não de pesar. Eu, preso às minhas convicções um tanto ortodoxas, acho que aquela tragédia deve chocar e comover, jamais alegrar. Principalmente, estou convencido de que não há cidadãos de segunda classe, cujas mortes mereçam regozijo público. Ao longo da história, as sociedades em que essa lógica prevaleceu legaram ao mundo apenas morte, miséria e terror. Esse é o amanhã glorioso em que Latuff teria gosto de viver: onde crianças receberiam medalhas por matar seus pais.
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