O post é longo, mas precisa ser. Quando Marina Silva decidiu sair do PT em 2009, para a sua primeira candidatura à presidência da República, a bancada do PT no Senado fez uma carta pedindo que ela ficasse. Não logrou êxito. Quando Marina Silva saiu do PT em 2009 escreveu uma carta eivada de elogios e agradecimentos ao partido. Nem mesmo teve o mandato requerido por infidelidade partidária. Quem lê as duas cartas, publicadas abaixo, tem a prova de que Marina Silva não é terceira via e nem representa uma nova política. Marina Silva não terá a mínima dificuldade de chamar o PT para governar junto com ela. Alguma dúvida que o PT virá correndo?
CARTA ABERTA À COMPANHEIRA SENADORA MARINA SILVA
A trajetória de Marina Silva se confunde com a trajetória do PT. Ambos surgiram muito pequenos e humildes e tiveram que enfrentar obstáculos quase intransponíveis para se tornarem o que são hoje.
Mas autoritarismo, censura, preconceitos, ausência de oportunidades e de condições econômicas, discriminação política e dos veículos de comunicação foram todos dura e pacientemente vencidos nessa trajetória comum. Marina Silva, de pequena menina pobre e analfabeta de um seringal do Acre, transformou-se numa importante figura pública do país e persona de prestígio internacional. O PT, de um pequeno e quixotesco aglomerado de cidadãos que lutavam pela democracia e por um país melhor, tornou-se o partido que governa, com grande êxito, o país há sete anos. Com eles, cresceu também o Brasil.
No Senado, acompanhamos a trajetória de Marina Silva e lutamos lado a lado com ela pelas melhores causas da nação. Doce e determinada, calma e perseverante, Marina Silva contribuiu decisivamente para a estruturação do partido e sempre teve uma ação construtiva na bancada. À frente do Ministério do Meio Ambiente por seis anos, Marina Silva teve um desempenho histórico que contribuiu substancialmente na luta pela sustentabilidade ambiental no Brasil, com o apoio de seus companheiros de bancada e de partido. Destacou-se, lutou, perseverou. Engrandeceu seu nome, o do seu partido e o do seu país.
Trajetórias como essa só se constroem com sonhos. Sonhos coletivos que transformam a realidade. Assim, a identidade que une Marina Silva ao PT é inquebrantável, pois ela foi forjada na luta comum por um país próspero e justo, no qual todos tenham oportunidades. Uma luta que continua.
Por isso, desejamos sinceramente que a nossa querida companheira Marina Silva permaneça no Partido dos Trabalhadores, sua casa política, e prossiga nessa trajetória coletiva que já conquistou tanto, mas que tem tanto ainda para conquistar.
Mas qualquer que seja a sua decisão, seu vínculo com o PT jamais se quebrará. Sempre será assim, esteja onde ela estiver. E, esteja onde ela estiver, terá nosso carinho, nossa admiração, nossa história comum.
Bancada do PT no Senado
CARTA ABERTA DE MARINA SILVA AO PT
“Brasília, 19 de agosto de 2009
Caro companheiro Ricardo Berzoini,
Tornou-se pública nas últimas semanas, tendo sido objeto de conversa fraterna entre nós, a reflexão política em que me encontro há algum tempo e que passou a exigir de mim definições, diante do convite do Partido Verde para uma construção programática capaz de apresentar ao Brasil um projeto nacional que expresse os conhecimentos, experiências e propostas voltados para um modelo de desenvolvimento em cujo cerne esteja a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
O que antes era tratado em pequeno círculo de familiares, amigos e companheiros de trajetória política, foi muito ampliado pelo diálogo com lideranças e militantes do Partido dos Trabalhadores, a cujos argumentos e questionamentos me expus com lealdade e atenção. Não foi para mim um processo fácil. Ao contrário, foi intenso, profundamente marcado pela emoção e pela vinda à tona de cada momento significativo de uma trajetória de quase trinta anos, na qual ajudei a construir o sonho de um Brasil democrático, com justiça e inclusão social, com indubitáveis avanços materializados na eleição do Presidente Lula, em 2002.
Hoje lhe comunico minha decisão de deixar o Partido dos Trabalhadores. É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade. Tenho certeza de que enfrentarei muitas dificuldades, mas a busca do novo, mesmo quando cercada de cuidados para não desconstituir os avanços a duras penas alcançados, nunca é isenta de riscos.
Tenho a firme convicção de que essa decisão vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida.
Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar, a título de exemplo, a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.
É evidente que a resistência a essa mudança de enfoque não é exclusiva de governos. Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas públicas para mantê-las.
Uma parte das pessoas com quem dialoguei nas últimas semanas perguntou-me por que não continuar fazendo esse embate dentro do PT. E chego à conclusão de que, após 30 anos de luta socioambiental no Brasil – com importantes experiências em curso, que deveriam ganhar escala nacional, provindas de governos locais e estaduais, agências federais, academia, movimentos sociais, empresas, comunidades locais e as organizações não-governamentais – é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte por quase trinta anos, mas sim o do encontro com os diferentes setores da sociedade dispostos a se assumir, inteira e claramente, como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento para o País. Assim como vem sendo feito pelo próprio Partido dos Trabalhadores, desde sua origem, no que diz respeito à defesa da democracia com participação popular, da justiça social e dos direitos humanos.
Finalmente, agradeço a forma acolhedora e respeitosa com que me ouviu, estendendo a mesma gratidão a todos os militantes e dirigentes com quem dialoguei nesse período, particularmente a Aloizio Mercadante e a meus companheiros da bancada do Senado, que sempre me acolheram em todos esses momentos. E, de modo muito especial, quero me referir aos companheiros do Acre, de quem não me despedi, porque acredito firmemente que temos uma parceria indestrutível, acima de filiações partidárias. Não fiz nenhum movimento para que outros me acompanhassem na saída do PT, respeitando o espaço de exercício da cidadania política de cada militante. Não estou negando os imprescindíveis frutos das searas já plantadas, estou apenas me dispondo a continuar as semeaduras em outras searas.
Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos.
Saudações fraternas,
Marina Silva”
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