A amostra mais reveladora da política brasileira nos últimos tempos não é o Petrolão, mas o caso Bolsonaro.
Pelo menos desde os estudos de François Furet, que datam de duas décadas atrás (especialmente Le Passé d’une Illusion,
1995), já não é permitido a nenhuma pessoa intelectualmente responsável
ignorar que a formação comunista não introduz apenas algumas crenças
falsas na mente humana, mas deforma gravemente a sua percepção da
realidade em geral, nas grandes como nas pequenas coisas, na esfera da
política e da História como na da moral e dos sentimentos.
Isso
transparece em praticamente qualquer atitude pública de um líder ou
militante comunista, mas com diferentes graus de nitidez. Em certos
casos é preciso escavar fundo, em outros a deformidade se evidencia logo
ao primeiro exame, só permanecendo invisível ao próprio indivíduo que a
ostenta e aos membros do seu círculo que padecem do mesmo handicap.
Como
é regra geral entre psicopatas, bem como entre os histéricos que os
imitam, os comunistas não revelam suas verdadeiras intenções quando
estão com medo, mas quando se sentem seguros contra um inimigo
minoritário que lhes parece indefeso o bastante para ser estraçalhado
sem grande dificuldade. Encorajados pela vantagem numérica, passam da
desconversa escorregadia à ostentação do ódio mais descarado e inumano,
sem medo de ser felizes com a desgraça alheia.
Por
isso, entendo que a amostra mais reveladora da política brasileira nos
últimos tempos não é o Petrolão, mas o caso Bolsonaro. A própria
diferença de proporções entre um escândalo mundial e uma intriga de
galinheiro já implica que num deles os sintomas apareçam com mais
clareza. Se no primeiro o que se observa é uma corrida desperada aos
subterfúgios, às desculpinhas e ao confusionismo mais alucinante, no
segundo cada novo assanhadinho que acrescenta sua voz ao coro dos
decapitadores se esmera em exibir, não só com despudor, mas com orgulho
obsceno, toda a feiúra e sujeira da sua alma.
O mais recente deles foi o comentarista de futebol e política, Juca Kfouri, que, no intuito de criminalizar per fas et per nefas o deputado da direita, modificou a frase ofensiva dita à deputada Maria do Rosário e bem documentada em vídeo, de “Jamais estupraria você porque você não merece”, para “Só não estupro
você porque você não merece”, transformando um sarcasmo cruel, mas
inócuo, numa apologia do estupro, se não numa ameaça de cometê-lo.
Kfouri, com toda a evidência, não julga Bolsonaro pelo que este disse,
mas pelo que gostaria que ele tivesse dito para mais facilmente poder
condená-lo.
Na
mesma semana, a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) afirmou que
“quando ele (Bolsonaro) diz que Maria do Rosário não merece ser
estuprada, diz subliminarmente que algumas mulheres merecem e que ele é
sim um potencial estuprador”. Vejam em http://www.brasil247.com/pt/247/rs247/164759/Manuela-'Bolsonaro-é-um-potencial-estuprador'.htm.
Como já expliquei aqui, o verbo “merecer” foi usado pelo deputado para
insinuar, de maneira canhestra e, a meu ver, com patente injustiça, que a
ofendida não tem os dotes físicos requeridos para despertar desejo em
estupradores ou em qualquer homem que seja. A sra. D’Avila transfigura o
gracejo de mau gosto numa afirmação literal de que algumas mulheres merecem realmente
sofrer violência sexual. Mas, se foi isso o que o deputado quis dizer,
por que excluiria desse destino brutal justamente a mulher que naquele
momento ele desejava hostilizar, reservando o “mérito” para as que nada
haviam feito contra ele? Isso seria um anti-insulto completamente vazio,
um flatus vocis sem nenhum poder de fogo. A interpretação que a
sra. D’Avila faz do episódio revela a mesma sanha kfouriana de forçar a
semântica para dar às palavras do deputado a acepção de uma ameaça
criminosa, não recuando nem mesmo ante o ilogismo mais gritante. A
incapacidade de perceber sarcasmo é às vezes sintoma de doença mental,
às vezes prova de analfabetismo funcional. Em qualquer dos dois casos,
como pode a sra. D’Avila estar qualificada para sondar “intenções
subliminares” numa frase cujo sentido e cujo tom lhe escapam tão
completamente? Como aceitar que tão ostensiva demonstração de inépcia
lingüística habilite sua autora a bancar a psiquiatra forense?
Não
é a primeira vez que o deputado é alvo de ataques desse tipo, tão
odientos quanto despropositados. Um cartaz do PT, recentemente
distribuído pela internet, responsabilizava-o moralmente pelos cinqüenta
mil estupros registrados no Brasil (número que discutirei num artigo
vindouro), sem explicar, é claro, como os rigores da legislação
anti-estupro exigida pelo sr. Bolsonaro poderiam ter produzido tão
paradoxal resultado.
Fiel
a essa lógica invertida, a sra. Jandira Feghali, do PCdoB, não só
xingou novamente o deputado de “estuprador”, sem apontar quem diabos ele
teria estuprado, como também pediu a cassação do seu mandato pelo crime
de haver respondido com grosseria à agressão intempestiva, sem
provocação ou motivo, que sofrera da deputada Maria do Rosário Nunes (v.
http://sigajandira.com.br/site2/jandira-reage-a-bolsonaro-e-pede-cassacao-de-mandato/).
Não
vejo por que defender o deputado. Pela enésima vez ele vai
provavelmente vencer e humilhar seus perseguidores. A própria Manuela
D’Ávila reconheceu a inocuidade jurídica do antibolsonarismo organizado,
ao declarar que o deputado “se empodera pelas recorrentes absolvições” (sic)
– como se absolvições nada valessem face à ciência superior de uma
mocinha que mal entende o que lê. E a explosão caluniosa do sr. Kfouri
foi causada pela sua frustração diante do fato de que só quatro entre os
vinte e oito partidos do Congresso aderiram ao pedido de cassação.
No
entanto, é irresistível, diante da estranheza do fenômeno, investigar o
que poderia tê-lo causado. É o que farei nos próximos artigos. A coisa é
muito mais reveladora do que o leitor pode imaginar à primeira vista.
P.
S. -- Eu seria o último a supor que o sr. Kfouri fingiu conscientemente
sua indignação ante o que chamou de “covardia” dos partidos
não-aderentes. O fingimento histérico não é jamais premeditado: é um
modo de ser arraigado e constante, uma segunda natureza: a mente
deformada pela auto-intoxicação comunista não precisa deformar-se de
novo e de novo para cada encenação subseqüente – o teatro permanece em
função ininterrupta, não deixando espaço para que o ator perceba algum
hiato entre o personagem representado e a sua condição real de pessoa
humana. É por isso que, diante da conduta histérica, falham por completo
os critérios usuais de distinção entre a sinceridade e a hipocrisia.
Publicado no Diário do Comércio.