Regime chinês vende armas a um governo que perde o apoio popular rapidamente
Venezuelanos marcham durante um protesto contra o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro, em Caracas, em 18 de outubro de 2014. A agitação pública está crescendo na Venezuela (Federico Parra/AFP/Getty Images)
Com o governo venezuelano se preparando para enfrentar a crescente agitação no país e tentar assegurar a lealdade de seus militares, a República Popular da China tem se prontificado a oferecer dinheiro e armas. O primeiro de quatro carregamentos de armas programados provenientes da China, que inclui veículos blindados, caminhões de transporte e artilharia de campo, chegou em 29 de dezembro de 2014.
Quando o primeiro carregamento de armas chegou, o ministro da Defesa venezuelano Vladimir Padrino López expressou sua gratidão e apoio ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. De acordo com IHS Jane’s, uma empresa-líder de inteligência, ele também enviou uma mensagem de Twitter reafirmando “a lealdade [dos militares] à Constituição e ao presidente”.
“Os líderes militares servem tais quais os capitães de uma guarda pretoriana”, disse Robert Bunker, professor-adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Escola de Guerra do Exército dos EUA, referindo-se aos guardas dos imperadores romanos.
“Eles estão jurando fidelidade ao sucessor bolivariano escolhido de Hugo Chávez e não aos cidadãos do Estado venezuelano”, disse Bunker. “Em troca, eles são recompensados pelo presidente com suprimentos de armas.”
Apoiadores do líder preso da oposição venezuelana Leopoldo López protestam diante do escritório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Caracas em 26 de setembro. O governo venezuelano pode estar se preparando para reprimir ainda mais as manifestações (Juan Barreto/AFP/Getty Images)
Ponto crítico
Os embarques se seguem a vários protestos antigoverno de grande escala na Venezuela, e a uma série de outros problemas sociais nos últimos meses.
IHS Jane’s se referiu ao mais recente desenvolvimento em 28 de dezembro de 2014, o fato do preço do petróleo cru venezuelano ter caído para 48 dólares por barril. A queda do preço do petróleo ajudou a lançar na recessão uma economia que já enfrentava a maior inflação da América do Sul e uma das maiores do mundo.
O governo venezuelano pode anunciar em breve medidas econômicas para lidar com a queda dos preços do petróleo, de acordo com IHS Jane’s. Estas medidas, cujos detalhes não foram liberados, foram contestadas por altos membros do Partido Socialista Unido da Venezuela no poder.
Vários membros do governo venezuelano apresentaram sua renúncia meses atrás. De acordo com IHS Jane’s, até 22 de agosto de 2014, “todos os principais ministros, incluindo o vice-presidente, apresentaram suas demissões”. As demissões e a reestruturação do governo seriam parte do que Nicolás Maduro chamou de uma revolução dentro da revolução.
Após a mudança de governo, a China começou a ganhar uma posição mais penetrante na Venezuela, e a agitação interna chegou ao ponto de ebulição. A Venezuela, entretanto, estava diante da inadimplência da dívida soberana – a incapacidade de pagar sua dívida.
Sumidouro econômico
Em meados de setembro, a Venezuela assinou vários acordos com a China. Os dois países fizeram um swap de moeda no valor de US$ 11 bilhões, e a Venezuela recebeu empréstimos chineses para financiar projetos de energia e infraestrutura. IHS Jane’s reportou em 18 de setembro de 2014 que esse intercâmbio provavelmente daria a China um papel mais forte nos principais setores econômicos da Venezuela. E observou que os negócios criariam “uma relação desigual em que a China teria posição superior”.
A economia da Venezuela declinou 4% nos primeiros nove meses de 2014, em comparação com o ano anterior. Em novembro de 2014, a inflação foi de 73,5%, segundo os números oficiais, que, no entanto, mascaram em muito a realidade. A Venezuela também tem de pagar US$ 30 bilhões em dívidas em moeda estrangeira em 2015 e, apesar do empréstimo de US$ 4 bilhões da China, suas reservas de divisas estão agora em US$ 22 bilhões.
Um policial de choque em chamas após ter sido atingido por um coquetel molotov lançado por manifestantes antigoverno durante confrontos em San Cristobal, Venezuela, em 25 de agosto de 2014. As tensões na Venezuela estão chegando ao ponto de ebulição (George Castellanos/AFP/Getty Images)
Protestos violentos
Em setembro, a agitação social cresceu significativamente. Os manifestantes atearam fogo em quatro carros e três motocicletas em Norte de Santander, após o governo fechar a fronteira Venezuela-Colômbia. O chefe da Defesa Estratégica Regional da Venezuela afirmou que os protestos eram de gangues colombianas e ex-grupos paramilitares de direita, segundo IHS Jane’s em 30 de setembro de 2014.
Apenas um dia depois, Robert Serra, um parlamentar do Partido Socialista Unido da Venezuela no poder, foi assassinado em Caracas. Este homicídio seguiu-se a um assassinato semelhante de Eliecer Otaiza, o ex-chefe dos serviços de inteligência da Venezuela, em abril.
Em meados de outubro, a Venezuela teve grandes protestos contra apagões, falta de alimentos e grande aumento da criminalidade. De acordo com IHS Jane’s em 16 de outubro de 2014, a Mesa da Unidade Democrática, uma coalizão de partidos democráticos, incentivou os protestos e as greves.
Mudança de poder
Em meio à crescente turbulência, Maduro empossou o general López – o oficial que afirmou recentemente o apoio dos militares da Venezuela ao governo. Maduro mostrava sinais de preocupação sobre se os militares ainda lhe eram leais. López recebeu sua posição quando Maduro estava remanejando os líderes da Defesa e aumentando seus salários.
Depois que López foi empossado, IHS Jane’s reportou em 27 de outubro de 2014: “Maduro pediu às forças armadas que permanecessem leais à pátria, a sua ideologia, doutrina e treinamento, e anunciou um aumento de 45% nos salários das forças armadas venezuelanas, a partir de 1º de novembro.”
“Acho que o presidente Maduro está seguindo o conselho do imperador romano Septimius Severus, que promoveu intensamente um ‘Estado policial’ durante seu reinado”, disse Bunker. “Em seu leito de morte, em 211 d.C., o imperador disse a seus filhos: “Seja harmonioso, enriqueça os soldados e despreze todos os outros homens.”
“Considerando-se a implosão econômica da Venezuela diante da drástica queda das receitas do petróleo”, disse Bunker, “Maduro está se certificando que os militares estejam bem armados e sejam bem pagos, para que suprimam a dissidência interna e permaneçam fiéis a ele.”
Um policial atira gás lacrimogêneo contra manifestantes antigoverno durante confrontos em Caracas, em 12 de junho de 2014. O governo venezuelano estaria se preparando para enfrentar crescente agitação interna (Leo Ramirez/AFP/Getty Images)
Inquietação militar
Há também uma crescente inquietação entre os militares da Venezuela.
“Nem todos os soldados são leais ao regime Chávez-Maduro”, disse Graça Salgueiro, uma especialista em política latino-americana da Mídia Sem Máscara, um periódico online.
“Os fiéis que ainda gritam ‘Pátria, socialismo ou morte. Nós venceremos!’, são aqueles oficiais de alta patente que se beneficiam financeiramente do tráfico de drogas com as FARC [a guerrilha de esquerda da Colômbia que está fortemente envolvida no tráfico de drogas para os Estados Unidos e Europa], com quem eles têm relações estreitas”, disse Graça Salgueiro.
“Esses generais são conhecidos na Venezuela como ‘Sóis do Cartel’ [estes generais usam um emblema de ‘sol’ em seu uniforme em lugar da habitual ‘estrela’ que identifica a hierarquia militar] e participam de grandes esquemas de corrupção”, há muito conhecidos da inteligência dos EUA, disse ela.
Salgueiro disse que os embarques de armas da China provavelmente só será atraente para a facção militar da Venezuela que ainda é leal à liderança venezuelana – principalmente aqueles no comando.
Ela acrescentou que as armas podem ser usadas para suprimir a revolta interna, mas o governo venezuelano também tem as “milícias bolivarianas e outros grupos menores, todos fortemente armados e prontos para reprimir qualquer manifestação, como fizeram em fevereiro do ano passado, causando 39 mortes e deixando centenas de feridos.”
As novas armas, juntamente com os despachos anteriores da Rússia, disse Salgueiro, “podem ser para aumentar o arsenal contra ‘o império norte-americano’, após o decreto assinado pelo presidente Obama no final de 2014 que cancelou os vistos de dezenas de oficiais militares e funcionários do governo do alto escalão, além do confisco de bens – edifícios, estábulos e muito dinheiro nos bancos americanos – dessas pessoas.”
Um Estado instável
Maduro tem um objetivo claro em domar os militares. Pelo menos 43 pessoas foram mortas em protestos antigoverno entre fevereiro e junho e casos de incêndio continuaram em dezembro.
De acordo com IHS Jane’s em 7 de dezembro de 2014, o governo culpou os ativistas de centro-esquerda do partido de oposição Vontade Popular pelos ataques. Leopoldo López, o líder do Vontade Popular, está preso desde fevereiro por seu suposto papel, mas os membros do partido negam as acusações.
No geral, o apoio público para Maduro está minguando. As empresas do país estão falindo, os impostos aumentando, e enquanto a China os socorre no curto prazo, esses acordos provavelmente prejudicarão a Venezuela no longo prazo. E à medida que a economia se desintegra, a agitação social aumenta. Ao invés de resolver os problemas, o governo venezuelano parece estar preocupado em culpar e bater nos partidos políticos rivais.
Em meio a todo o caos, aparentemente a última cartada do governo venezuelano parece ser rechear os bolsos dos líderes militares, enquanto investe em grandes carregamentos de armas provenientes da China.
De acordo com Bunker, a Venezuela teve mais de 24 mil homicídios em 2013, e está entre os lugares mais perigosos do mundo para se viver. “A violência de gangues, assaltos e sequestros é galopante”, disse ele. “Além de tudo isso, protestos abalaram a nação nos primeiros meses de 2014, decorrente do alto nível de violência e do fracasso da economia de fornecer bens básicos.”
Quando a queda das receitas do petróleo é incluída nesse quadro, e com a ruína da base econômica da Venezuela, a possibilidade de revolta se torna ainda mais real. “No mínimo, parece que a liderança da Venezuela está se preparando para enfrentar agitações violentas”, disse Bunker.
Ele acrescentou: “A questão, é claro, na mente de todos, é se o governo bolivariano permitirá que protestos legítimos ocorram para desabafar as tensões sociais ou se, temendo um possível golpe, reprimirá imediatamente qualquer protesto – o que apenas agravará a situação.”