Por: Luiz Flávio Gomes
No monstruoso esquema de corrupção cleptocrata da Petrobras, o procurador-geral da República (PGR) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) 28 pedidos de investigação contra 54 pessoas (incluindo os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, respectivamente).
A iniciativa do PGR coincide com a divulgação (por Josias de Souza) da seguinte declaração do ministro Cid Gomes:
“Tem lá [na Câmara] uns 400 deputados, 300 deputados que quanto pior melhor para eles. Eles querem é que o governo esteja frágil porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais, aprovarem as emendas impositivas”.
As declarações de Cid Gomes (como ainda sublinha Josias de Souza) ecoam uma frase pronunciada por Lula em setembro de 1993: “Há no Congresso uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns trezentos picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”.
Eleito presidente duas eleições depois, Lula aliou-se aos que chamava de “picaretas”. Mais um exemplo em que a ética da convicção não se afinou com a ética da responsabilidade (consoante a distinção de Max Weber, feita no início do século XX: veja em Gil Villa, La cultura de la corrupción: 102).
Os 'picaretas' políticos, juntos com os poderosos econômicos e financeiros, fazem parte de um sistema cleptocrata instalado no Brasil desde sempre. O Brasil não é uma democracia cidadã, é uma capenga democracia eleitoral cleptocrata (ou seja, uma cleptocracia em que o Estado é governado, sobretudo, pelo método da ladroagem que acontece por meio do patrimonialismo, clientelismo, parasitismo, fisiologismo e corrupção). O aprofundamento das investigações no caso Petrobras servirá para apurar (dos políticos indicados) quais parlamentares podem receber o rótulo de cleptocratas (no escândalo citado).
Seis partidos estão envolvidos (até aqui): PT, PP, PMDB, PSDB, PTB e PSB.
Mais sete pedidos de arquivamento (envolvendo políticos) foram formulados pelo PGR (por falta de indícios mínimos). O arquivamento não será refutado pelo STF, conforme sua jurisprudência. Não há notícia de qualquer denúncia, ou seja, não será iniciado imediatamente nenhum processo.
A razão: o PGR teve por base apenas delações premiadas (até aqui já foram 13), que não são provas (são fontes de provas). Dentre as 54 pessoas existem algumas sem foro privilegiado. Serão investigadas normalmente, mas depois não serão processadas no STF (sim, em primeira instância, no local da consumação das infrações).
Próximas etapas
As próximas etapas da Lava Jato são as seguintes: cabe ao ministro relator Teori Zavascki autorizar ou não a investigação (colheita de provas materiais, depoimentos, perícias etc.) e manter ou não o sigilo das investigações; salvo casos excepcionalíssimos, como é a hipótese da quebra de sigilo telefônico, a tendência é determinar a publicidade do processo. A investigação será feita pela PF (Polícia Federal), sob a supervisão do Ministério Público (PGR).
Todo ato investigativo (sobretudo quebra de sigilos) depende de determinação do relator (Teori). Concluída a investigação o PGR pode pedir o arquivamento (quando não há provas) ou denunciar (iniciar o processo, quando há indícios de crime e sua autoria). Se recebida a denúncia, pela 2ª Turma do STF, ratificam-se as provas em juízo e depois vêm as alegações finais.
No dia do julgamento (a ser feito pela 2ª Turma, salvo se se trata do presidente do Senado ou da Câmara, que são julgados pelo Plenário) é possível sustentação oral. Em seguida vêm os votos dos ministros (sem televisionamento, o que pode ser positivo porque se evita o espetáculo midiático).
Hoje a 2ª Turma não está completa (está faltando um ministro, em razão da aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa). Quem vai indicar o novo juiz? A presidenta da República. Em seguida haverá sabatina no Senado. É possível que vários senadores venham a “sabatinar” o juiz do seu próprio caso? Sim. Claro que se o juiz for de tendência mais dura os “senadores-réus” tendem a recusá-lo. Em certo sentido podem os réus estar escolhendo o juiz para os seus processos? Sim (coisas da política que a razão não explica).
Prisões cautelares (imediatamente)?
Não é possível (art. 53, § 2º da CF), salvo se se trata de flagrante em crime inafiançável. No caso da corrupção cleptocrata da Petrobras (ocorrida preteritamente) a possibilidade de flagrante já passou. Eventual prisão dos políticos denunciados só pode ocorrer após a condenação final. Contra a decisão da Turma cabem embargos infringentes? A polêmica está instalada.
Eles são previstos no Regimento do STF para decisões do Pleno (não das Turmas). A tendência é desconsiderá-los (por falta de previsão legal específica). Não está previsto o recurso de apelação para o Pleno, como vem recomendando há anos a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sem essa apelação não se observa o duplo grau de jurisdição. Esse ponto, tal como no mensalão, pode ser questionado na referida Corte.
Cassação dos mandatos dos políticos:
se condenados criminalmente, com certeza o STF determinará a cassação dos mandatos. A outra possibilidade de cassação dos políticos envolvidos comprovadamente no escândalo da Petrobras é interna (cada Casa parlamentar pode cassar o deputado ou senador por falta de decoro; isso pode ocorrer em qualquer momento, mesmo antes da condenação penal).
Mas depende de muita pressão popular democrática. Cadê o povo nas ruas? A lei brasileira deveria ser mais clara para dizer o seguinte (nos casos do político comprovadamente corrupto): teria que devolver em dobro tudo que auferiu ilicitamente com a ação cleptocrata e não poderia mais voltar para a política, em nenhum cargo. Seria um tipo de “pena de morte política”. Para isso fazem falta mudanças e evoluções éticas e morais. Estaria o povo brasileiro apto para essas mudanças?