Por Jahanara Begum
"Allah Amader Kandte Dao!" Alá, por favor, Deixa-nos chorar em paz! - Jahanara Begum
Por favor, Alá, deixa-nos sozinhas para podermos chorar em paz. Por
trás do véu, longe do olhar público, queremos chorar até não podermos
mais. Este é o único direito que tu nos deste, por todo o mundo
islâmico, onde as tuas leis são seguidos à risca. O mundo está a
passar por tantas mudanças, com tantas evoluções com o passar dos anos;
ano após ano, novas descobertas são feitas tanto na ciência como nas
filosofias no resto do mundo, melhorando em cima de ideias e crenças
antigas. Mas nós estamos amarradas para sempre às tuas rígidas e
imutáveis leis, Alá. Nunca houve alguém que tivesse vindo em favor da
nossa emancipação.
A nossa sociedade é única. Homens tais como Raja Ram Mohun Roy ou
Swami Vivekananda não nascem na nossa sociedade. Nenhum Sharat Chandra
avança na nossa sociedade, e escreve sobre o volume de lágrimas que
corre nos nossos olhos. Muçulmanos educados tais como Badruddin Tyebji,
Hamid Dalwai e outros tais como eles escreveram sobre as medidas que
visam parar com a matança de vacas, mas falharam ao não dizer uma única
palavra simpatética em nossos favor, mulheres muçulmanas.
Abdut Jabbar consegue escrever um volume enorme sobre os eunucos - e
sobre os castrados das diferentes sociedades muçulmanas - mas não tem
nada a dizer em nosso favor. Pelo menos Syed Mustafa Siraj foi honesto
quando disse que os Hindus podem escrever sem medo sobre as injustiças
e as imperfeições do seu sistema social, mas nós, muçulmanos, temos
medo de criticar os defeitos da sociedade islâmica.
Nargis Sattar começou a escrever alguns artigos relativos às leis
matrimoniais islâmicas e nós ficamos esperançosas. Mas essa esperança
foi, mais uma vez, retirado de nós. Mais de 100 advogadas exigiram a
emancipação das mulheres nas estradas de Lahore no Paquistão islâmico.
Os "heróicos" polícias Paquistaneses atacaram as mulheres advogadas com
paus e cassetetes.
Uma mulher que fazia parte do partido ADMK da Índia
levantou o assunto da emancipação das mulheres Indianas muçulmanas no
parlamento nacional, mas todos os membros progressistas do parlamento
permaneceram calados em torno do assunto visto que ninguém queria
ofender os mullahs fundamentalistas e perder os voto muçulmano.
Ó Alá! Os líderes políticos e os seus apoiantes que estão nesta terra
são peculiares. Eles são tal como os eunucos que viviam entre as
inumeráveis, belas e jovens mulheres dos haréns. Toda a luxúria, paixão
e desejo sexual que tomava conta deles não lhes valia de nada visto que
eles eram eunucos e, desde logo, totalmente desamparados. Os nossos
líderes políticos são tais como esses eunucos.
Estes líderes usam palavras de alta sonoridade e nobres tais como
"liberdade", "anti-discriminação", "secularismo" e muitas outras
palavras bonitas, mas eles não têm os meios de colocar em práctica uma
única destas palavra no dia-a-dia da nossa sociedade muçulmana. Devido
a isto, o choro e o lamento das mulheres muçulmanas avança; e duma era
para a outra.
As lágrimas são simbolizadas pelas águas que cobrem três quartos do
planeta. Que existência horrível, desumana e ilógica que nós temos.
Deixando para trás as suas centenas de concubinas, o octogenário sheik
da Arábia vem para a Índia para se "casar" com uma adolescente
muçulmana. O evento foi notificado em todos os jornais mas, note-se,
nenhum líder político chega a registar um protesto. Nenhum mullah ou
maulvi declara "jihad" ou guerra santa a tais ocorrências. Pelo
contrário, o mullah preside tais "casamentos mutah" que têm a duração
de apenas um curto período de tempo.
Que existência insuportável é para nós viver entre as co-esposas.
Inúmeras crianças, ambiente pouco saudável, pobreza e falta de educação
transformam as nossas vidas sociais em algo digno de chacota. Até as
cabras e as vacas têm melhores vidas que nós.
As lutas frequentes entre
as co-esposas, o puxar de cabelo uma da outra é tão degradante! E,
queira Deus que não, se o miyan ou o marido se envolve na discussão,
nós somos então espancadas como um animal até não podermos mais. E
depois do espancamento, para tornar as coisas ainda mais degradantes, o
miyan leva a outra esposa para o quarto e fecha a porta na nossa cara.
Se por acaso há o mais leve defeito na atenção da esposa às
necessidades físicas do miyan ou do marido, então aí ela. Ela passa a
sofrer continuamente uma incerteza viva, e uma ansiedade intensa. A
palavra "talaq" ou divórcio pode-se abater sobre ela a qualquer
momento. A mais pequena falta de atenção pode provocar um divórcio e
tudo encontra-se nas mãos do marido muçulmano. Basta que a palavra
"talaq" seja dita três vezes para que o mundo sob os pés da mulher
muçulmana seja agitado. A consequência? Mão-de-obra barata ou
prostituição.
As crianças sofrem com a falta de amor materno, com a falta dum sentido
imenso de
insegurança e com a presença dum ambiente pouco saudável. Se a criança
conseguir
sobreviver, então a sociedade é sobrecarregada com mais pedintes e mais
criminosos. Claro que isto também acontece noutras sociedades, mas
ocorre em número menor e, mais importante ainda, nas outras sociedades
tais eventos não têm a permissão para ocorrer em nome da sua
"religião", embora na nossa sociedade os mullahs preguem tal tratamento
a nós mulheres em nome do "islão".
O lema entre nós é "reproduzam-se e lucrem" - apoderem-se da terra
através da maior taxa de natalidade. E nós, as mulheres muçulmanas
casadas, temos que carregar todo o peso de toda a operação. É por isso
que nunca encontramos uma mulher muçulmana que não esteja a cuidar dum
bebé ou não esteja grávida. Eles estão sempre com uma criança, e elas
morrem jovens.
Nós observamos a vida das mulheres Hindus que vivem perto de nós. Que
sentido de pureza, que segurança e que confiança que rodeia as suas vidas. Onde
está a esperança da castidade e de pureza nas nossas vidas?
Se o homem
muçulmano se arrepende de se ter divorciado da sua esposa, se por acaso
isso chegar a acontecer, ele não pode fazer nada em relação a isso.
Alá, as tuas leis da "shariat" impedem o re-casamento com o ex-marido.
Por esta altura, o mullah entra em acção e faz com que a mulher se
"case" com outro homem, e ela tem que consumar o "casamento" durante 3
dias e 3 noites, e então, e só então, ela pode voltar a ser "pura e
virgem". Se por acaso o novo marido se divorcia da mulher tal como era
suposto, só o antigo e arrependido marido se pode casar com ela.
Por
outro lado, se a noiva se revela uma boa esposa, o novo marido pode não
quer o divórcio, e é então que os problemas entre os dois homens
começam. Têm início lutas que em muitos casos acabam em assassinatos.
Assim é a nossa vida, Alá! A quem iremos nós recorrer com as nossas
queixas e com as nossas tristezas? Se nós nos revoltarmos, seremos
agredidas fisicamente e punidas segundo as leis que tu nos deixaste,
Alá. Se nós nos queixarmos, seremos acusadas de hipócritas, ou
"munafiq". Em todas as outras religiões, o respeito é conferido de
acordo com a castidade, com o auto-controle e com a pureza. Mas isto não acontece na
tua religião, Alá. O único privilégio que nós temos é o de chorar.
Existem muitos muçulmanos "educados" que estão cientes disto, mas
eles não protestam porque também eles estão determinados a
divertirem-se à nossa custa. Esses muçulmanos que estão realmente
emancipados, abandonam-nos e não se querem preocupar com os nossos
problemas. Foi connosco em mente que Kazi
Abdul Oclud disse a dada altura que, durante os últimos 1400 anos, o
islão foi incapaz de acender a mais pequena vela como forma de
erradicar as trevas da civilização humana.
Abu Syed Ayub passou todo o seu tempo a cantar canções Tagore, casou-se
com a mulher Hindu Gouri Dutta e viveu uma vida livre e saudável como
qualquer outro Hindu. Mohamnled Ali Karim Chagla fez mesmo. O
Vice-Presidente Hidayetullah, líderes políticos tais como Sikandar
Bakht, Dr. Jeelany, Syed Mujtaba Ali também fizeram o mesmo. De facto,
todas as pessoas da nossa sociedade que ascenderam e passaram a ter uma
vida civilizada longe das nossas misérias, dores e problemas,
moveram-se mais próximas da sociedade dos Hindus (...).
Só nós, as abandonadas, é que ficamos para trás dentro da prisão
sombria controlada pelos mullahs e pelos maulvis. Nós nada mais fazemos
que chorar uma dor eterna. Nenhum escritor ou repórter escreve uma
história sobre nós ou tenta entender a profundeza da nossa tristeza. O
Governo Indiano deu-nos o direito de voto mas negou-nos uma vida
matrimonial saudável e pacífica ao perpetuar o "Código de Casamento
Pessoal Muçulmano". O "Projecto de Lei do Código Hindu" emancipou as
mulheres Hindus mas nós ainda somos vítimas de prácticas poligamicas, e
nenhum remédio foi avançado como forma de impedir os divórcios frívolos
que existem dentro da nossa sociedade islâmica.
Em relação a isto, no passado, nós costumávamos confiar nos Marxistas.
As mulheres muçulmanas do Tazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão
encontraram a sua liberdade na Rússia Soviética. Nenhum sheik da Arábia
as pode comprar e estas mulheres não passam as suas vidas entre crianças
inumeráveis, gravidezes sem fim e lutas degradantes com as co-esposas.
Elas vivem vidas com sentido e os mullahs não têm controle sobre elas.
Mas aqui, nas nossas terras, até os Marxistas estão sob o controle dos
mullahs. Um Marxista como Mansur Habibullah
foi para Meca, tornou-se num ‘Haji’ só para agradar os mullahs. E toda
a gente sabe que na sua vida pessoal, Habibullah não se preocupa com a
sua religião. A sua vida é como a vida dum Hindu lógico.
E devido a isto, Alá, nós estávamos a dizer que tu não deste a mais
pequena oportunidade de termos uma pequena paz, uma pequena felicidade.
A tua falta de preocupação por nós é eterna. Durante a Idade Média, era
frequente os nawabs e os sultões terem milhares de mulheres nos seus
haréns. A maior parte dos nossos dias de então eram passados a chorar.
Algumas passavam os seus dias planeando conspirações, outras em
libertinagem e outras passavam o seu tempo levando a cabo prácticas
perversas. Nós éramos o combustível para a luxuria destes sultões.
Lutas sem fim ocorreram entre irmãos, entre pai e filho, e mesmo entre
os próprios devido a nós mulheres.
Certamente que a carruagem da civilização tem, lentamente, atravessado
muitos caminhos. Mudanças radicais ocorreram noutras sociedade e noutros
países. Até a queima da ‘suttee’, uma terrível práctica Hindu, foi
erradicada devido ao progresso social. O casamento de homens muito
velhos com noivas muito novas que eram comum ocorrer entre alguns
Hindus, seguindo o sistema ‘Kaulinya’, foi abolido com o passar do
tempo.
Muitos costumes e práticas sociais maus desapareceram nas outras
sociedades. Até nas nossas sociedades islâmicas algumas boas mudanças
têm ocorrido, mas elas têm sido sempre em benefício dos homens
muçulmanos.
Existe uma pequena povoação perto de Basra no Iraque, que era bem
conhecida por fornecer eunucos para os haréns dos nawabs. Quase 60% dos
jovens
rapazes que eram castrados lá, morriam. Esta carnificina hoje em dia
acabou. Existem muitos muçulmanos tais como Idi Amin que têm numerosas
esposas mas que já não têm eunucos para olharem por elas.
Mas para nós
[mulheres muçulmanas] nada mudou. Os homens da nossa sociedade não têm
preocupação alguma pelas mulheres.
Ao conferir alguns direitos de posse, eles pensa que foi feito muito em
favor de nós mulheres muçulmanas. De que valem estes direitos de
propriedade se os nossos casamentos encontram-se marcados por uma longa
linha de divórcios e re-casamentos? A lei muçulmana tem, por outro
lado, ajudado a que ocorra uma maior perseguição às mulheres
muçulmanas. Se a mulher muçulmana dá entrada a um processo em favor das
suas posses e dos seus direitos de pensão, então o tribunal muçulmano
move-se muito devagar. Durante esse tempo, o marido pode voltar a casar
sem que a lei islâmica lhe cause algum tipo de impedimento.
A lei local que ajuda as mulheres de todas as outras comunidades sob
condições semelhantes não são de uso algum para nós mulheres muçulmanas
porque é suposto nós seguirmos as leis do islão e nada mais. Foi Abdul
Rauf quem escreveu no jornal Bengali ‘Jugaantar’
a descrever as tristezas das mulheres muçulmanas por todo o país, mas,
ai de nós, não houve reacção. Apareceram algumas cartas a dar o seu
apoio ao artigo e nada mais.
Mas os nossos líderes muçulmanos são muito sensíveis quando as questões
centram-se nos seus interesses próprios. Muzaffar Hussain escreveu a
partir do norte da Índia que o filme Hindi ‘Talaq, talaq, talaq’ foi renomeado para ‘Nikaah’
sob aconselhamento dos mullahs porque estes disseram que ao afirmarem o
nome do filme às suas esposas, os maridos muçulmanos estariam a
pronunciar as três palavras mágicas que iriam colocar imediatamente um
ponto final no casamento.
Estes homens são curiosos porque têm medo de pronunciar a palavra
"talaq" mas nada fazem para erradicar os divórcios frívolos. Um grande
número de mulheres muçulmanas leva uma vida desamparada e miserável
devido a abominável práctica do "talaq", mas os "piedosos" muçulmanos
não se preocupam com isto.
Os soldados islâmicos do Paquistão de Yahya Khan violaram centenas de milhares de mulheres do Bangladesh e mais de 200,000
mulheres engravidaram. Mais tarde, um grande número destas mulheres
enlouqueceu, e enquanto o mundo islâmico manteve um silêncio total, só
Mujibur Rahman as tentou ajudar.
O Irão de Khomeini está, actualmente, a matar centenas de mulheres
devido ao facto delas não darem o seu apoio ao seu regime.
Consequentemente, e em nome do islão, estas mulheres estão a ser
chacinadas. Vishnu
Upadhyay já escreveu sobre o incidente no jornal ‘Aaj Kal’, mas ninguém disse uma única palavra; o mundo islâmico continua em silêncio.
Em qualquer outra sociedade, se a mulher é violada. os jornais causam
um tumulto geral, gerando uma corrente de protestos dentro da
comunidade. O islão significa paz. Observar em silêncio a perseguição
de mulheres talvez seja esta paz. Tal falta de preocupação para com as as mulheres tem impedido a melhoria das nossas condições.
Nenhum bênção ou demonstração de benevolência dos teus anjos foi
conferida a nós e como tal, Alá, estamos-te a revelar uma vez mais a
nossa tristeza. Tu és o dono deste mundo e do universo. É a ti
que estamos a dirigir as nossas queixas. Tu tens-nos negado uma vida
feliz.
Se por acaso nós somos uma das muitas mulheres dum muçulmano
rico, então passamos os nossos dias com ciúmes, rivalidades e gravidezes
sem fim. Se, por outro lado, nós pertencemos a um marido pobre, então existe o
trabalho forçado durante o dia todo, e uma gravidez a seguir a outra.
Onde quer que nós andemos, a espada do "Talaq"
ou divórcio paira sobre as nossa cabeças. A incerteza e a insegurança
das nossas vidas não só nos afecta a nós, como também afecta as nossas
crianças. Elas não tê escolha senão levar uma vida de pedinte ou de
crime.
Já viste [ó Alá] as multidões de mulheres muçulmanas e dos seus
numerosos filhos a vaguear pela estação de Howrah em Calcutá. Podemos
saber que elas são muçulmanas pela presença próxima dos mullahs
barbudos. A única preocupação destes mullahs é garantir que
estas mulheres continuem a ser muçulmanas. Eles não estão preocupados
com a sua saúde, com o seu bem-estar, com a sua segurança, e nem nutrem
por elas algum sentido de preocupação humana.
E devido a isto, as mulheres muçulmanas não têm nada por que esperar mas
existem muitas lágrimas para derramar, e muito choro que não
tem remédio. E por isto, nós falamos a ti, ó Alá, que tu só nos deste
um único privilégio e ele é o de chorar. Por isso, deixa-nos chorar em
paz e deixa-nos em paz.
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