O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, havia indicado que faria anúncios “históricos” neste 1º de maio. E cumpriu a palavra. Ele convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para “reformar o Estado e redigir uma nova Constituição”.
Embora não tenha detalhado como será a eleição dos constituintes, isso é o que se sabe até agora sobre o processo, descrito pela oposição como “consumação do golpe de Estado contínuo de Maduro contra a Constituição”.
O que é a Assembleia Nacional Constituinte?
Maduro invocou o artigo 347 da Constituição venezuelana, que diz o seguinte:
“O povo da Venezuela é o depositário do Poder Constituinte originário. Em exercício deste poder, pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição”.
O presidente tem poder para isso, de acordo com o artigo 348, embora não possa vetar a Constituição que resulte do processo e que poderia colocar ponto final na Carta aprovada em 1999 após a chegada de Hugo Chávez ao poder.
Quem forma a Assembleia e como são eleitos?
Maduro explicou que a Constituinte terá 500 membros e será eleita pelo “voto do povo”.
Dos 500, “aproximadamente 200 ou 250 serão eleitos pela base da classe trabalhadora”, afirmou, sem dar mais detalhes sobre esse processo eleitoral.
O presidente disse ainda que os aposentados terão “pela primeira vez na história” constituintes eleitos diretamente por eles, assim como índios, estudantes e jovens.
Os outros 250 constituintes serão eleitos “em um sistema territorializado, com caráter municipal, nas comunidades, com voto direto, secreto”, acrescentou.
Segundo o constitucionalista José Ignacio Hernández, a Assembleia “deve ser formada por cidadãos que, mediante o voto direto, secreto e universal, são eleitos constituintes”.
Por ora não há datas para a eleição, mas Maduro anunciou a criação de uma comissão presidencial, dirigida pelo ministro da Educação e ex-vice-presidente Elías Jaua, um dos principais gestores do sistema de assistência, autogestão e poder local do chavismo.
O presidente pediu a apoiadores que busquem os melhores candidatos para construir “uma maioria arrasadora do povo chavista”. Afirmou ainda que nas próximas horas entregará as bases dessa convocação ao Conselho Nacional Eleitoral.
“Será uma Constituinte cidadã, popular, trabalhadora. Uma Constituinte chavista (…) Convoco uma Constituinte cidadã, não uma Constituinte de partidos e elites.”
O que diz a oposição?
Um dia antes do anúncio de Maduro, o líder de oposição e presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, afirmou que uma medida nesse sentido estava a caminho.
“Qualquer forma que queira levar à frente sem consentimento do povo venezuelano é um golpe”, disse Borges.
E nesta segunda-feira, após o anúncio oficial, reiterou: “É a consumação do golpe de Estado contínuo de Maduro contra a Constituição”.
“Maduro acaba de matar e assassinar o legado de Hugo Chávez à Venezuela, que era a Constituição”, disse.
Borges disse que uma Constituinte comunitária não seria “eleita pelo povo” e portanto não teria “os poderes que são do povo”.
“Vão querer materializar um golpe de Estado com uma Constituinte comunitária para darem um salto tipo Cuba”, afirmou o presidente da Assembleia, para quem a iniciativa do governo visa “fugir do voto universal, direto e secreto do povo que nas ruas exige respeito à Constituição.
Logo após o anúncio, o líder oposicionista Henrique Capriles escreveu no Twitter: “Diante da fraude constitucional de Constituinte que o ditador acaba de anunciar. Povo nas ruas e a desobedecer uma loucura como essa!”
A oposição convocou novos atos de rua para esta semana.
O que muda na prática?
O anúncio de Maduro deixa claro algo que o chavismo já havia adiantado com a aprovação de um “Parlamento paralelo” em 2015, após as eleições legislativas vencidas pela oposição.
Aquele órgão, segundo anunciou o governo à época, buscava criar “um poder que permita ao povo dispor de recursos, gerências, tomada de decisões, leis”.
Embora as organizações comunitárias na Venezuela já tenham um grande alcance por meio de ao menos 45 mil conselhos comunitários, a Constituinte pode dar mais destaque e legitimidade a esses órgãos.
Partidários do chavismo celebraram a medida como forma de reduzir o poder e o espaço ao setor privado e à “burguesia”.
O cenário político agora traz a perspectiva de eleições, ainda que seja preciso definir quem exatamente poderá participar.
Por outro lado, a oposição, sem poder institucional, convocou mais protestos. Por isso é provável que a tensão continue nas ruas.
E a crise econômica – gerada pela estagnação da produção nacional, a queda nos preços do petróleo e a má situação do setor privado – não deve se solucionar no curto prazo, assim como os problemas de insegurança que fazem da Venezuela um dos países mais violentos do mundo.
O que ocorre com a Constituição atual?
A atual Carta Magna, promulgada em 1999 após a chegada de Chávez ao poder, será substituída pela nova.
Mas Maduro não quer que a Carta seja vista como traição ao seu antecessor e padrinho político, mas um “aperfeiçoamento” do plano revolucionário e socialista do presidente morto em 2013.
Por isso Maduro propõs que grandes programas sociais e direitos da juventude venezuelana integrem a nova Constituição, de modo a proteger as políticas sociais do chavismo no longo prazo.
“Este é o velho sonho de Hugo Chávez, mas em 1998 as condições não estavam dadas”, disse Maduro nesta segunda-feira.
Quais são as incógnitas?
Ainda não se sabe o papel que terá a atual Assembleia Nacional, de maioria opositora desde dezembro de 2015, e que quase não possui poder de fato porque o Tribunal Supremo de Justiça do país considera a instituição em estado de desobediência e barra suas principais iniciativas legislativas.
A apropriação, pelo tribunal, de parte dos poderes do Parlamento motivou a onda de protestos que já dura um mês e continuou com uma grande marcha neste 1º de Maio.
Outro ponto a definir é quanto, como e quem elegerá os 500 constituintes. Em tese, o “povo da Venezuela” deve estar representado numa Constituinte, segundo a Constituição, mas Maduro não disse o papel que terá o setor da população pró-oposição.
Outra incógnita é como será a resposta da população aos chamados por desobediência e luta nas ruas feitos pelo líderes de oposição, e se isso poderá gerar mais violência em meio à tensão que deixou quase 30 mortos no último mês.
Não se sabe também o que ocorrerá com o cronograma eleitoral – as eleições presidenciais, por exemplo, em princípio seriam no final de 2018, mas tudo pode mudar após o anúncio desta segunda.
Fonte: BBC Brasil