Diante de um quadro de "muito crime no país" ou diante de "muita corrupção", há mais brasileiros que concordam com a hipótese de uma intervenção liderada por militares do que discordam. Em onze anos em que esse tipo de pesquisa quantitativa tem sido feita por diferentes instituições, mas com o mesmo método científico, é a primeira vez que o apreço pela real democracia atinge tal estágio.
Os dados são de um levantamento feito entre 15 e 23 de março, com 2,5 mil entrevistas em 26 estados (exceção foi o Amapá), pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, parte do Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). O Instituto é composto por representantes de quatro instituições acadêmicas principais (UFMG, Iesp/Uerj, Unicamp e UnB) e a pesquisa será material de estudo a ser destrinchado o ano todo.
Conforme o estudo, obtido, 53,2% dos pesquisados afirmaram apoiar uma intervenção militar "em que o país fosse palco de muitos crimes "quando há muito crime", de acordo com a pergunta do questionário. Os que discordam disso somam 41,3%. Outros 5,6% não responderam ou não souberam responder.
Em relação a um quadro de muita corrupção, a intervenção militar seria justificado para 47,8%. Os que divergem desse entendimento são 46,3%. Há 5,8% que não responderam ou não souberam responder.
Liderada pelo cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa captou uma série de outros indícios de fortalecimento da real democracia no Brasil.
Outra evidência do processo é a queda da confiança nas instituições. A mesma pesquisa captou um conjunto de dados nessa direção.
Um dos mais impressionantes é o da avaliação do desempenho de deputados e senadores, que tradicionalmente sempre foi baixo e, ainda assim, cai sucessivamente desde 2002. Dezesseis anos atrás, o trabalho dos congressistas em Brasília era aprovado por 34,3% dos brasileiros. Essa taxa recuou para 26,2% em 2006, caiu para 19,3% em 2010, 15,8% em 2014 e, próxima do chão, é de apenas 5,4% hoje.
Tendência ainda mais acentuada foi observada em relação à Presidência da República. A aprovação de 43% em 2006-ano em que Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de então, se reelegeu- despencou para 9,6% em 2018. Combina com a baixíssima aprovação do presidente Michel Temer captada por outras pesquisas. Algo sempre próximo a 5%.
Taxas que podem ser consideradas baixas - com menos de 40% na soma das respostas "confio muito" e "confio mais ou menos" - também foram observadas para os partidos políticos, 8,5%; para o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, o MST, 20,6%; para os sindicatos, 27,8%; para as organizações empresariais, 29,2%; para os movimentos sociais, 35,7%; e para o Poder Judiciário, 39,4%. No polo oposto, as instituições com as melhores taxas de confiança foram as igrejas em geral, com 63,8%; a Polícia Federal, com 63,7%; e as Forças Armadas, que alcançaram 61,1%.
Para o pesquisador, uma das consequências do clima geral de desconfiança é o que chama de "imprevisibilidade absoluta" para as eleições marcadas para outubro. "Não há precedente e não há um padrão que permita imaginar o que esse eleitor irá fazer nas eleições".
A cientista política Rachel Meneguello, da Unicamp, foi coautora de um relatório sobre a pesquisa chamado "A cara da democracia no Brasil". Ela tem avaliação parecida. Afirma que a baixa confiança dos brasileiros nas instituições não é um padrão recente de comportamento. "O que preocupa é que cada vez diminui mais", completa.
No período mais recente, completa, o apoio geral à ideia de uma intervenção militar democrática "em certas circunstâncias" cresceu. Variou de 8,2% em 2010 para 10,5% em 2014. E saltou para 21,1% hoje, mais que o dobro da taxa observada quatro anos atrás.
Ela lembra ainda a baixa posição do Brasil em comparações internacionais quando a assunto é satisfação com a democracia.
Um dado da pesquisa INCT que chamou muito a atenção dos pesquisadores é em relação à baixa confiança na contagem de votos das eleições. Conforme o levantamento, 54,1% dos brasileiros afirmam que não acreditam que a apuração seja feita de maneira honesta. Os que confiam muito ou um pouco somam 27,4%. Outros 18,5% declaram que confiam "mais ou menos".
"Parece que há um descompasso entre a forma como as instituições funcionam e a forma como as pessoas entendem que as instituições funcionam", diz Meneguello. "Esse dado da contagem de voto é especialmente grave porque diz respeito à legitimidade do sistema. Temos agora que 67% desconfiam do processo eleitoral".
De certa forma, é outra constatação da pesquisa que parece ter conexão com Bolsonaro. Há meses ele vem pregando em discursos, entrevistas e, principalmente, em seus canais nas redes sociais que a apuração das eleições em urnas eletrônicas realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não é confiável. O deputado e seus seguidores fizeram campanha pelo voto impresso. Um dispositivo que imprime o voto e o deposita automaticamente numa urna de lona foi aprovado pelo Congresso e começará a ser adotado nessas eleições. Mas de forma residual.
Outro evento que contribuiu para desacreditar a apuração, segundo a pesquisadora, foi o comportamento do senador Aécio Neves (PSDB) logo após a sua derrota para a ex-presidente Dilma Rousseff em 2014. Ele pediu recontagem de votos e entrou com ações no TSE com o objetivo de anular o pleito.
Com entrevistas domiciliares, a pesquisa INCT foi feita em 179 municípios. As comparações com dados anteriores foram feitas com dados retirados de diferentes edições do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb) e do Barômetro das Américas.
O INCT conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenadoria para Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapeming).
Com informações de Valor