A decisão pelo indeferimento dada por Fachin ocorreu no último dia (7) e não cabe mais recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Edson Fachin, indeferiu o pedido feito por Marco Antonio de Vicente Junior, também conhecido como Marco Vicenzo, que solicitava a recriação do antigo partido político União Democrática Nacional (UDN).
Na solicitação, era exigida a reativação do partido por meio da derrubada do Ato Institucional nº2, de 1965 (AI-2), que entre outras determinações, acabou com o pluripartidarismo no Brasil, extinguindo assim a UDN enquanto legenda partidária. Com isso, o cenário político representativo brasileiro ficaria a cargo de duas legendas: uma governista, a Aliança Nacional Renovadora (Arena), e outra de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
O restabelecimento da UDN gerou um racha entre dois grupos de militantes simpatizantes à sigla, que fora criada ainda no governo do presidente Getúlio Vargas para fazer oposição a este. Enquanto Vicenzo quer restabelecer a UDN sem precisar passar pelos deveres da Lei dos Partidos Políticos (Lei Nº 9.096, de 1995), que estabelece critérios a ser seguidos em caso de fundação partidária. Outro grupo, liderado por Marcus Alves de Souza, quer fazer justamente o contrário, ou seja, seguir à risca a lei 9.096 e recriar o partido do zero.
O caso só foi parar na Justiça Eleitoral após Vicenzo e Souza, que até então eram simpatizantes do mesmo partido, romperem relações. Vicenzo então teria ido ao TSE sem o consentimento do grupo liderado por Souza. Agora, com a decisão de Fachin, indiretamente atende ao grupo de Marcus de Souza, que deve retomar os trabalhos para a refundação da UDN.
A sigla, caso seja recriada, vai se tornar uma das legendas mais antigas do país. Com forte protagonismo até sua extinção em 1965, a UDN sempre foi decisiva na história política brasileira. Sua recriação chegou também a ser cogitada pelo presidente Bolsonaro que se encontra hoje sem partido e tenta, assim como grupo apoiado por Marcus de Souza, criar um partido, o Aliança Nacional.
Veja a decisão de Fachin:
“SECRETARIA JUDICIÁRIA Documentos Eletrônicos Publicados pelo PJE Intimação
Processo 0600290-93.2019.6.00.0000 index: PETIÇÃO (1338)-0600290-93.2019.6.00.0000-[Requerimento]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL PETIÇÃO (1338) Nº 0600290-93.2019.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL RELATOR: MINISTRO LUIZ EDSON FACHIN REQUERENTE: MARCO ANTONIO DE VICENTE JUNIOR Advogados do(a) REQUERENTE: PAULO HENRIQUE BURJACK VIEIRA – DF40220, ROBERTA MARIA RANGEL – DF10972, DANIANE MANGIA FURTADO – DF2192000A, LUIZ ANTONIO VIUDES CALHAO FILHO – DF41269 INTERESSADO: MARCUS ALVES DE SOUZA Advogado do(a) INTERESSADO: HORACIO GUILHERME DOS SANTOS – SP115604 DECISÃO PETIÇÃO. ATO INSTITUCIONAL QUE EXTINGUIU OS PARTIDOS POLÍTICOS. ANULAÇÃO DA RES.-TSE N. 7.764/1965. RESTAURAÇÃO DO REGISTRO DEFINITIVO DO PARTIDO UNIÃO DEMOCRÁTICA NACIONAL (UDN). INVIABILIDADE. LIMITAÇÃO JURÍDICA DO PODER CONSTITUINTE. CONDICIONAMENTOS PRÉ-CONSTTUINTES. (RE)CRIAÇÃO DE PARTIDOS POLÍTICOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA BASE SOCIAL DE APOIO. PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO. 1. Os atos institucionais, em função de sua origem ilegítima e, em especial, de seu conteúdo odioso, desmerecem qualquer deferência por parte das instituições democráticas de hoje. 2. Tendo em consideração que a sua legitimidade emana, forçosamente, da soberania popular, o poder constituinte originário, conquanto livre, tem a autonomia de um “voo controlado”. Doutrina. 3. Assim sendo, épossível que, na sequência de um processo de reconstitucionalização democrática, os órgãos instituídos recusem a validade ou a legitimidade de soluções normativas que tenham violado fundamentos constitucionais essenciais, os chamados “condicionamentos pré-constituintes”. 4. Os atos institucionais, seja pela gênese ou pela substância, conflitam, diametralmente, com os postulados básicos do Estado democrático de direito, cuja lógica essencial repele fórmulas legais tendentes àopressão, máxime quando editadas como instrumentos para a salvaguarda de uma ordem fundada no arbítrio. 5. Na quadra do constitucionalismo moderno, a relação entre poder e direito tende a assegurar a subordinação da força aos valores superiores do ordenamento jurídico, ensejando, entre outras consequências, que as regras positivas somente se legitimam na medida em que demovam a tirania, surgindo como produto inescapável da vontade autêntica do povo. Doutrina. 5. Um regime que proscreve os partidos políticos não pode ser reconhecido como um regime constitucional: em primeiro lugar, porque esse modelo de organização social repele ingerências arbitrárias contra o direito de livre associação sobre bases partidárias; em adição, porque o Estado constitucional pressupõe liberdade e, portanto, a existência de escolhas, de sorte que o pluralismo e o multipartidarismo informam a sua base existencial; finalmente, porque a asfixia da organização de interesses coletivos impacta, inapelavelmente, a promoção e a defesa dos direitos e das liberdades individuais. 6. Uma vez assentado que as autoridades instauradas por governos de fato carecem de legitimidade constitucional, segue-se, como consectário, que seus atos padecem, igualmente, do mesmo “vício intrínseco”. Doutrina. 7. Reconhecida a ilegitimidade do Ato Institucional n. 2 de 1965, cumpre assentar a perda de eficácia da Res.-TSE n. 7.764 do mesmo ano, cujo propósito geral era dar cumprimento ao comando de encerramento oriundo do diploma inquinado. 8. O reconhecimento da causa ilegítima da resolução mencionada, contudo, não tem o condão de repristinar a existência jurídica dos partidos extintos. 9. Para que a União Democrática Nacional (UDN) -ou qualquer outra sigla proscrita pelo ilegítimo AI-2 -reassuma a condição de partido político operativo, énecessário que cumpra com os trâmites previstos na legislação vigente (Lei nº 9.096/95 e Resolução TSE nº 23.571/2018), em face da reconstrução democrática e do devido procedimento de existência partidária. 10. Pedido indeferido. Trata-se de petição protocolada em 22 de abril de 2019, neste Tribunal, por Marco Antonio de Vicente Junior com base no art. 5º, XXXIV, a , da Constituição Federal. O requerente insurge-se contra a extinção do partido político União Democrática Nacional (UDN) por intermédio do Ato Institucional nº 2 de 1965, alegando que este foi ” formal e materialmente inconstitucional sob o parâmetro normativo de 1946 e também sob o parâmetro dos preceitos fundamentais de 1988 (ID 11611888, p. 5). Nesse sentido, também se opõe à” Resolução TSE nº 7.764 de 08/11/1965, que impediu o e. TSE de admitir qualquer requerimento proposto pelos partidos extintos “, e ao ” Ato Complementar n° 4, de 20/11/1965, que restringiu a criação de novos partidos (…), impedindo qualquer ato de reorganização da UDN (ID 11611888, págs. 5 e 7). Aduz que seu interesse de agir édecorrente da condição de Presidente Nacional da Comissão Fundadora da Nova União Democrática Nacional -NOVA UDN, requerendo ” a anulação da Resolução TSE n° 7.764, de 08/11/1965, e de quaisquer outros atos administrativos amparados no Art. 18 do inconstitucional Ato Institucional n° 02 (AI 02), de 27/10/1965, restabelecendo a vigência e eficácia da Resolução TSE n° 296, de 31/10/1945, que deferiu o registro definitivo da União Democrática Nacional (UDN) (ID 11611888, págs. 8-9). Requer, ainda, que “seja determinada a convocação de reunião ordinária da Convenção Geral, órgão soberano da União Democrática Nacional (UDN) com competência para eleição dos órgãos de direção do partido, conforme Art. 6° de seu Estatuto registrado perante este e. Tribunal Superior Eleitoral” e que lhe “sejam atribuídas as prerrogativas de membro ativo da União Democrática Nacional (UDN) para fins do Art. 17 de seu Estatuto, permitindo-lhe promover os atos necessários ao seu bom, fiel e democrático funcionamento partidário” (ID 11611888, pág. 9). Em 30 de abril de 2019, Marcus Alves de Souza apresentou denúncia de falsidade ideológica contra o requerente, que estaria se passando por presidente da UDN (ID 1611938 e 1611988). Alegou ser o verdadeiro e único presidente do partido em formação União Democrática Nacional (UDN) e que os atos ilegítimos do requerente estão gerando constrangimentos e prejuízos irreparáveis ao referido partido. Com a denúncia foi anexado comprovante de inscrição da UDN no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, certidão cartorária atestando que no Registro dos Atos Constitutivos da UDN consta o nome de Marcus Alves de Souza como Presidente da Diretoria Provisória, cópia (ilegível) da publicação no Diário Oficial da União do estatuto e do programa do partido, além de foto extraída de rede social demonstrando que o requerente se intitula Presidente Nacional do referido partido (ID 1611988, págs. 2-8). Nos dias 15, 16 e 21 de maio de 2019, foram anexadas mais publicações extraídas de redes sociais com o objetivo de comprovar que o requerente age como presidente da UDN. Em 18 de fevereiro próximo passado, determinou-se a intimação, por edital, de eventuais interessados na questão agitada, assim como a abertura de prazo ao peticionante e ao Ministério Público, respectivamente, para o oferecimento de alegações e parecer final. Nas alegações finais (ID 26049338), o peticionante refutou tese aventada no parecer prévio da Procuradoria-Geral Eleitoral, com o intuito de assentar a sua legitimidade ad causam. Ademais, sustentou a inexistência de impedimento de utilização de sigla partidária sem incorrência em ilícito eleitoral ou criminal. Finalmente, argumentou que o pedido formulado tangencia o tema da repristinação, ao contrário do que aponta o Ministério Público. A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pela extinção do processo sem julgamento do mérito ou, alternativamente, pelo indeferimento da petição. Éo relatório. Decido. Cuida-se de petição apresentada por Marco Antonio de Vicente Junior pretendendo a anulação dos Atos Institucionais nº 2 e 4, ambos de 1965, assim como das Resoluções do TSE neles baseadas, com o intuito de restabelecer a vigência e a eficácia da Resolução TSE nº 296/1945, que deferiu o registro do definitivo do partido político União Democrática Nacional (UDN). O Ato Institucional nº 2 foi editado em outubro de 1965, no período da ditadura civil-militar que assonou o país, e operou uma série de efeitos na ordem jurídica, como a extinção de todos os partidos políticos existentes no Brasil, dentre os quais a UDN. Confira-se a redação do art. 18 nesse sentido: “Art. 18 – Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. Parágrafo único – Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências daLei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações.” Diante da extinção dos partidos políticos existentes, foi editado, em novembro do mesmo ano, o Ato Complementar nº 4 estabelecendo a formação do bipartidarismo. A respeito do tema, confira-se lição da doutrina: “Assim, em 5 de novembro de 1965, Castelo Branco edita o AI-2, que afirmava, em seu preâmbulo, também representar exercício do poder constituinte originário, uma vez que a “Revolução” não se esgotara. Dentre as diversas mudanças que introduziu, destaca-se a extinção dos partidos então existentes (art. 18). No novo sistema que seria instituído, a formação de um partido dependeria de iniciativa de, no mínimo, 120 deputados e 20 senadores (art. 1º do Ato Complementar nº 4/1965). Na prática, isto só permitia a existência de dois partidos: um da situação e outro representando a oposição consentida. Naquele modelo, foram instituídos o ARENA, partido do governo, e o MDB, que lhe fazia oposição, nos estreitos limites que o governo tolerava.” (NETO, Claudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, págs. 140 e 141) Inicialmente, impende ressaltar que, para os efeitos do presente processo, desimporta que a legislação inquinada tenha surgido como emanação autoproclamada de um poder constituinte originário. Uma vez superada a clássica concepção em torno do poder constituinte como um poder autônomo, incondicionado e livre, écerto que os atos institucionais, em função de sua origem ilegítima e, em especial, de seu conteúdo odioso, desmerecem qualquer deferência por parte das instituições democráticas de hoje. Nessa direção, assim como aponta Canotilho, “se o poder constituinte se destina a criar uma constituição concebida como organização e limitação do poder” , não há forma de considerá-lo imune aos condicionamentos levados pela “vontade do [seu] criador” . Também assim, se este povo criador “éestruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade “, não édado aos titulares da ruptura rechaçar todo esse caldo, pelo que se conclui que mesmo o poder constituinte encontra-se juridicamente vinculado à “vontade do povo” , cujo sentido geral pode ser traduzido, certamente, na observância de determinados “princípios de justiça” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 81). Tomando de empréstimo expressão usada pelo professor Javier Pérez Royo, na medida em que a sua legitimidade emana, forçosamente, da soberania popular, o poder constituinte originário, conquanto livre, tem a autonomia de um “voo controlado” (PÉREZ ROYO, Javier. Curso de Derecho Constitucional . 15. ed. Madrid: Marcial Pons, 2015, p. 90). Assim sendo, épossível que, na sequência de um processo de reconstitucionalização, os órgãos instituídos terminem por recusar a validade ou a legitimidade de soluções normativas que tenham violado fundamentos constitucionais essenciais, os quais constituem o que a doutrina chama de “condicionamentos pré-constituintes” (SARLET, Ingo Wolfgang. Do poder constituinte e da mudança (reforma e mutação) constitucional. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional . 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 117). Isso posto, pretende o requerente que os atos normativos questionados sejam reconhecidos como inconstitucionais, quer pelo prisma da Constituição Federal de 1946 quer pela ótica da Carta de 1988, para o fim especial de anulação da Res.-TSE nº 7.764/1965 e o consequente reavivamento do registro definitivo da UDN. Em primeiro lugar, começo por assinalar que, para fins de controle concentrado, a Suprema Corte tende a inadmitir a teoria da “inconstitucionalidade superveniente”, de sorte que, em princípio, a Constituição de 1988 não poderia servir como paradigma para a análise da constitucionalidade de normas editadas sob a égide de ordens constitucionais antecedentes, as quais seriam objeto precípuo de análises conexionadas com o instituto da recepção. Tal como decidido, entre outros casos, na ADI n. 2/DF: “Disse-se que a Constituição éa lei maior, ou a lei suprema, ou a lei fundamental, e assim se diz porque ela ésuperior àlei elaborada pelo poder constituído. Não fora assim a lei a ela contrária, obviamente posterior, revogaria a Constituição sem a observância dos preceitos constitucionais que regulam sua alteração. Decorre daí que a lei só poderá ser inconstitucional se estiver em litígio com a Constituição sob cujo pálio agiu o legislador. A correção do ato legislativo, ou sua incompatibilidade com a lei maior, que o macula, há de ser conferida com a Constituição que delimita os poderes do Poder Legislativo que elabora a lei, e a cujo império o legislador será sujeito. E em relação a nenhuma outra” (ADI nº 2/DF, rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 21.11.1997). Não obstante, com o advento da Lei n. 9.882/99, que regulamenta o instrumento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o direito positivo passa a reconhecer, àCorte Suprema, a possibilidade de examinar a legitimidade do direito pré- constitucional em face de norma constitucional superveniente (art. 1º, inciso I), inclusive com autorização expressa para o afastamento, total ou parcial, de sua aplicação (art. 10). Conquanto, logicamente, as demais instâncias do Poder Judiciário não possam resolver questões de tal índole com eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, écerto que, em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição, a questão jurídica colocada pode ser examinada mediante a técnica do controle difuso, com as repercussões e limitações de alcance que lhes são inerentes. Posto o que precede, éevidente que os atos institucionais, quer pela gênese, quer pela substância, conflitam, diametralmente, com os postulados básicos do Estado democrático de direito, cuja lógica essencial repele, com veemência, fórmulas legais tendentes àopressão, máxime quando editadas como instrumentos para a salvaguarda de uma ordem fundada na violência e no arbítrio. Como decorrência, o imperativo de preservação democrática torna necessário negar uma concepção do direito visto como simples expressão política da força, em favor do prestígio de sua nobre condição de “princípio ético-político” (SÁNCHEZ VIAMONTE, Carlos. Revolución y doctrina de facto . Buenos Aires: Editorial Claridad, 1946, p. 38). Dentro desse raciocínio, cumpre assentar que, na quadra do constitucionalismo moderno, a relação entre poder e direito tende a assegurar a subordinação da força aos valores superiores do ordenamento jurídico, ensejando, entre outras consequências, que as regras positivas somente se legitimam na medida em demovam a tirania, surgindo como produto inescapável da vontade autêntica do povo (FAYT, Carlos Santiago. Derecho Político . Tomo II. 12. ed. Buenos Aires: La Ley, 2009, p. 99). Nessa esteira, éevidente que golpes de Estado e mesmo revoluções triunfantes constituem “inimigos naturais do constitucionalismo”, uma vez que “introduzem desordem na ordem preexistente” e “interrompem a [expectada] normalidade jurídica” (SÁNCHEZ VIAMONTE, Carlos. Revolución y doctrina de facto . Buenos Aires: Editorial Claridad, 1946, p. 14), deslocando o eixo do poder para longe de seu norte essencial, como efeito da imposição da perspectiva da “pirâmide estadualista”, que dá primado ao elemento da autoridade em detrimento da ótica da base societária, locus da legitimidade própria do legado democrático (MALTEZ, José Adelino. Manual de Ciência Política. Teoria Geral da República . Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2018, p. 110). Com efeito, assenta-se que a fundação do Estado, em qualquer de suas variantes, exige como pressuposto existencial que se tenha resolvido, previamente, uma questão basilar, relativa àassunção do “justo título de mando”. Dentro desse panorama, considera-se ex natura ilegítimos os regimes que arroubam o poder por intermédio de uma investidura manifestamente irregular (ARDANT, Philippe; MATHIEU, Bertrand. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques . 31. ed. Paris: LGDJ, 2019-2020, p. 173). Ésabido, nesse guiar, que o Estado constitucional tem como peculiaridade o fato de que somente resulta compatível com alguns princípios de legitimidade, fazendo tábula rasa de outros, notadamente aqueles que se demonstrem incompatíveis com a sua racionalidade intrínseca. Em termos precisos: “[…] o Estado constitucional não écompatível nem com um princípio de legitimidade religioso, nem com um princípio de legitimidade ideológico. Por natureza, um Estado que se diz portador de uma verdade oficial não pode ser um Estado constitucional, já que em tal classe de Estado éexigível a adesão a uma determinada ortodoxia, o que conflita com o pluralismo […]. Para que o Estado constitucional possa existir no mundo real, éindispensável que seu princípio de legitimidade resulte compatível com a existência de uma cidadania dotada de direitos individuais e coletivos”. (MARTÍNEZ SOSPEDRA, Manuel; URIBE OTALORA, Ainhoa. Teoría del Estado y de las formas políticas: sistemas políticos comparados . Madrid: Tecnos, 2018, p. 108 -tradução própria). Àvista dessas premissas, indene de dúvidas que um regime que proscreve os partidos políticos não pode ser reconhecido como um regime constitucional: em primeiro lugar, porque esse modelo de organização social repele quaisquer ingerências arbitrárias contra o direito de livre associação sob bases partidárias (Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Reclamação n. 74.989/01, Ouranio Toxo e outros versus Grécia, sentença de 20 de outubro de 2005); em adição, porque o Estado constitucional pressupõe liberdade e, portanto, a existência de escolhas, de sorte que o pluralismo e o multipartidarismo informam, sem dúvida, a sua base existencial (ARDANT, Philippe; MATHIEU, Bertrand. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques . 31. ed. Paris: LGDJ, 2019-2020, p. 168); finalmente, porque a asfixia da organização de interesses coletivos impacta, inapelavelmente, a promoção e a defesa dos direitos e das liberdades individuais. Como registrado outrora pelo professor Manuel García-Pelayo: “[…] a sociedade do presente éuma sociedade organizacional, uma sociedade estruturada na qual os objetivos individuais os coletivos não podem ser conquistados senão por meio das organizações. Por conseguinte, a mediação realizada pelos partidos soma-se àmediação das demais organizações como canal de acesso da sociedade àparticipação nas decisões do Estado. […] Daí que se haja cunhado o conceito de Verbändestaat (Estado de associações)”. (GARCÍA-PELAYO, Manuel. La transformación del Estado contemporâneo . Madrid: Alianza Editorial, 1980, p. 116-117 -tradução própria). Assim éque, no marco do constitucionalismo republicano, as restrições impostas às atividades partidárias, embora possíveis, dever ser pontuais, excepcionais e, sobretudo, fundar-se em razões inequivocamente legítimas (Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Özdep versus Turquia, Reclamação n. 23.885/94, sentença de 8 de dezembro de 1999; Nepeceristi e Ungureanu versus Romênia, Reclamação n. 46.626/99, Sentença de 3 de fevereiro de 2005), exigência que, certamente, exclui pretensões direcionadas àatrofia do pluralismo político, ao enfraquecimento da divergência e ao controle dos focos de contestação do regime de fato. Estando, pois, assentado que as autoridades instauradas por governos de fato “carecem de legitimidade constitucional” (FAYT, Carlos Santiago. Derecho Político . Tomo II. 12. ed. Buenos Aires: La Ley, 2009, p. 99), segue-se, como consectário, que os seus atos padecem, igualmente, do mesmo “vício intrínseco” (CORREA FREITAS, Ruben. Derecho Constitucional contemporáneo . Tomo I. 3. ed. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2007, p. 187). Nessa direção, assim como reconhecido pela Suprema Corte de Justiça do Uruguai (Sentença nº 1, de 3 de fevereiro de 1988), élícito recusar a validade jurídica de atos normativos emanados de regimes de exceção, em especial quando ditados em flagrante violação a normas estruturantes da Constituição que vêm a derrubar, tendo em consideração a óbvia inexistência de autorização constitucional para que autoridades não eleitas exerçam, de forma válida, as competências do Poder Legislativo. Em definitivo, como conclui a Corte mencionada: “Sobre pressupostos tão radicalmente opostos àforma democrática e republicana de governo […] não se pode fundar nem reclamar direito algum” (SCJ, Uruguai, Sentença nº 1, de 3 de fevereiro de 1988 -tradução própria). Por tal razão, em conexão com a visão assinalada a Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina já decidiu que o exercício de faculdades legislativas por parte de governos de fato somente pode ser aceito “excepcionalmente e com limitações”, nomeadamente nos casos em que o reconhecimento ressaia inescapável para o funcionamento do Estado (CSJN, Acórdãos 201: 249 e 172: 344). Isso porque os diplomas normativos oriundos de regimes de exceção carecem de “eficácia legitimante” (CSJN, Acórdãos 289: 177; 291: 584; 293: 213, 417 e 665). Em última instância, pois: “As normas de caráter legislativo ditadas por tal governo dentro desses limites serão formalmente válidas para os fatos ocorridos enquanto aquele subsista, mas quando país retoma a normalidade constitucional, deixam de valer para o futuro, a menos que o Congresso ratifique a sua validade (CSJN, Acórdão 201: 249 -tradução própria). “[…] conforme a jurisprudência estabelecida por esta Corte, a validade das normas e atos emanados do Poder Executivo de fato encontra-se condicionada a que, explícita ou implicitamente, o governo constitucionalmente eleito que o suceda os reconheça” (CSJN, Acórdão 306: 174 -tradução própria). Frente ao exposto, cabe reconhecer a inconstitucionalidade do Ato Institucional n. 2 de 1965 e, consequentemente, assentar a perda de eficácia da Res.-TSE nº 7.764, cujo propósito geral não era outro senão dar cumprimento ao comando autoritário de encerramento oriundo do diploma normativo inquinado. Dentro desse panorama, a cessação dos efeitos da ordem de arquivamento de registros definitivos de partidos políticos não tem o condão de resgatar, por arrastamento, a sua existência jurídica. Como se vem de assinalar, o reconhecimento da causa ilegítima da Res.-TSE nº 7.764 de 1965 constitui medida de justiça, em virtude de haver surgido como consequência imperativa de um Ato Institucional ilegítimo. Nada obstante, o pedido mediato invocado pelo requerente -qual seja, a revalidação do registro definitivo da UDN -não merece acolhimento, nomeadamente porque, àluz dos princípios orientadores do direito partidário, afigura-se impossível a ressurreição judicial de siglas partidárias àmargem da satisfação das exigências constantes do marco contemporâneo Nesse diapasão, impende notar que a ordem constitucional vigente assenta o caráter nacional como preceito obrigatório para a viabilização existencial dos partidos políticos, transparecendo a ideia de que as associações partidárias não podem ser concebidas a descompasso da demonstração prévia de um apoiamento social sólido, atual e pungente. Por ser assim, a criação de partidos políticos potencialmente órfãos de mobilização, como efeito automático de uma decisão judicial, soaria absurda na perspectiva da Carta Política, na medida em que esta, ao exigir um cariz nacional, está, para além de impor a assunção de ” compromissos voltados […] para a construção de projetos políticos que envolvam o conjunto do país ” (CARVALHO, Kildare. Direito Constitucional , p. 861), estipulando como fundamento para o reconhecimento jurídico das associações partidárias a demonstração de envergadura mínima, no que diz com a medida de apoio, ou seja, com a capacidade de mobilização popular. Logo, na linha do que foi propugnado pela Procuradoria-Geral da República em parecer ofertado nos autos da ADI nº 5.311/DF, haure-se da Constituição o impedimento da criação de legendas com “baixa representatividade social” , uma vez que o caráter nacional exigido pela Carta tem o sentido de indicar que se exige, para a eclosão de um partido, a comprovação de uma “expressão [social] relevante” . Assim, da forma como resume o professor Raimundo Antônio Fernandes Neto, no cenário brasileiro não se cogita o reconhecimento de partidos políticos a descompasso da demonstração de um “mínimo de legitimidade (FERNANDES NETO, Raimundo Augusto. Partidos políticos: desafios contemporâneos . Curitiba: Ithala, 2019, p. 79), mínimo esse que resulta revelado, precisamente, pela envergadura do apoio coligido entre o corpo de cidadãos. Posto o que precede, para que a União Democrática Nacional (UDN) volte a ser reconhecida como um partido operativo, não basta a invalidação jurídica da Res.-TSE nº 7.764/1965. Em adição, énecessário, sem dúvida, que cumpra com todos os trâmites previstos na legislação atualmente em vigor, em face da reconstrução democrática e do devido procedimento de existência partidária. Nesse diapasão, a Lei nº 9.096/95 e a Resolução TSE nº 23.571/2018 estabelecem as normas para a criação e o registro dos partidos políticos, determinando que, na sequência da aquisição de personalidade jurídica, a legenda em formação obtenha o apoiamento de um número mínimo de eleitores, para então registrar o respectivo estatuto perante esta Corte Superior. Confira- se, nesse tocante, o que prescrevem os artigos 8º e 9º da Lei nº 9.096/95: “Art. 8º:O requerimento do registro de partido político, dirigido ao cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede, deve ser subscrito pelos seus fundadores, em número nunca inferior a 101 (cento e um), com domicílio eleitoral em, no mínimo, 1/3 (um terço) dos Estados, e será acompanhado de: I – cópia autêntica da ata da reunião de fundação do partido; II – exemplares do Diário Oficial que publicou, no seu inteiro teor, o programa e o estatuto; III – relação de todos os fundadores com o nome completo, naturalidade, número do título eleitoral com a Zona, Seção, Município e Estado, profissão e endereço da residência. §1ºO requerimento indicará o nome e a função dos dirigentes provisórios e o endereço da sede do partido no território nacional. §2º Satisfeitas as exigências deste artigo, o Oficial do Registro Civil efetua o registro no livro correspondente, expedindo certidão de inteiro teor. §3º Adquirida a personalidade jurídica na forma deste artigo, o partido promove a obtenção do apoiamento mínimo de eleitores a que se refere o §1º do art. 7º e realiza os atos necessários para a constituição definitiva de seus órgãos e designação dos dirigentes, na forma do seu estatuto. Art. 9º Feita a constituição e designação, referidas no §3º do artigo anterior, os dirigentes nacionais promoverão o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior Eleitoral, através de requerimento acompanhado de: I – exemplar autenticado do inteiro teor do programa e do estatuto partidários, inscritos no Registro Civil; II – certidão do registro civil da pessoa jurídica, a que se refere o §2º do artigo anterior; III – certidões dos cartórios eleitorais que comprovem ter o partido obtido o apoiamento mínimo de eleitores a que se refere o §1º do art. 7º. §1º A prova do apoiamento mínimo de eleitores éfeita por meio de suas assinaturas, com menção ao número do respectivo título eleitoral, em listas organizadas para cada Zona, sendo a veracidade das respectivas assinaturas e o número dos títulos atestados pelo Escrivão Eleitoral. §2º O Escrivão Eleitoral dá imediato recibo de cada lista que lhe for apresentada e, no prazo de quinze dias, lavra o seu atestado, devolvendo-a ao interessado. §3º Protocolado o pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral, o processo respectivo, no prazo de quarenta e oito horas, édistribuído a um Relator, que, ouvida a Procuradoria-Geral, em dez dias, determina, em igual prazo, diligências para sanar eventuais falhas do processo. §4º Se não houver diligências a determinar, ou após o seu atendimento, o Tribunal Superior Eleitoral registra o estatuto do partido, no prazo de trinta dias.” Em consulta ao PJE deste Tribunal Superior Eleitoral, verifica-se a existência de protocolo de pedido de registro do estatuto e do órgão de direção nacional da Nova União Democrática Nacional (UDN), sob nº 0600266-31.2020.6.00.0000. Os autos eletrônicos buscam elementos na petição nº 6.723/2018, protocolizada em 8.10.2018, requerendo o registro do partido político em formação, UDN, nos termos do art. 10 da Resolução-TSE nº 23.571/2018, sendo que, em razão do cumprimento dos requisitos previstos no §3º do referido artigo, determinou-se o cadastramento dos dados da mencionada agremiação no Sistema de Apoiamento a Partidos em Formação (SAPF), aguardando-se o pedido de registro do respectivo estatuto e do órgão de direção nacional do partido, o que ainda não foi feito. Em virtude do não preenchimento dos requisitos constantes da legislação, segue-se que a impossibilidade de reconhecimento do registro definitivo. Como consequência, ressaem prejudicados os pedidos de atribuição das prerrogativas de membro ativo da União Democrática Nacional (UDN) e de determinação de convocação de reunião ordinária da Convenção Geral. No que tange àdenúncia de falsidade ideológica apresentada por Marcus Alves de Souza contra o ora requerente, ressalte-se que, conforme consta no parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, serão extraídas cópias dos autos para averiguação da prática de infração penal, sendo a apreciação dessa questão inviável nesta esfera. Ante o exposto, a par de reconhecer a causa ilegítima da Resolução TSE nº 7.764/1965, indefiro o pedido de sua anulação, assim como o pedido de restabelecimento de eficácia do registro definitivo da União Democrática Nacional.
Brasília, 7 de abril de 2020. Ministro Edson Fachin Relator”