Um dos economistas mais influentes da equipe que assessora a candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, propôs na semana passada o aumento da meta oficial de inflação fixada para o próximo ano, para acomodar reajustes de preços no início do novo governo se Marina for eleita.
A ideia foi lançada pelo economista Alexandre Rands e não faz parte da plataforma da candidata, mas deverá ser discutida internamente nos próximos dias. Ela foi apresentada em público pela primeira vez em evento organizado pelo Bank of America/Merrill Lynch na segunda-feira (8), em São Paulo, que reuniu 500 investidores e executivos do mercado financeiro.
A meta de inflação é o alvo fixado pelo governo para dar à sociedade uma ideia do que esperar do comportamento dos preços. Essa referência perdeu credibilidade na gestão de Dilma Rousseff (PT), porque a inflação ficou sempre muito acima da meta anunciada, de 4,5% ao ano.
O PSB cogitou a possibilidade de propor uma redução da meta para 3% em 2019, mas a ideia foi abandonada pelo programa de governo divulgado em agosto por Marina. O documento assume apenas o compromisso de "trabalhar com metas de inflação críveis e respeitadas".
No encontro com os investidores na segunda, Rands afirmou que é "preciso acabar com a hipocrisia", referindo-se à dificuldade que o governo tem encontrado para alcançar a meta atual. A inflação hoje está em 6,5% ao ano e o próprio Banco Central prevê que só será possível chegar aos 4,5% em 2016.
Marina enviou sete representantes para falar aos investidores, entre eles o economista André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, e o deputado Walter Feldman (SP), coordenador da campanha e um dos seus principais porta-vozes hoje.
À Folha Rands disse defender o aumento da meta com redução do intervalo de tolerância, hoje de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. "Todo mundo sabe que [a inflação] será de 6,5% para cima. Manter a meta em 4,5% é hipocrisia", afirmou. "Se não tem chance de chegarmos a 4,5%, tem que fixar uma meta realista", acrescentou. Na sua avaliação, alcançar uma inflação de 5,5% em 2015 será um "plano audacioso", mas possível de cumprir.
Adotar uma meta maior, mas factível, poderia ajudar a resgatar a credibilidade do governo e murchar expectativas de aumentos de preços no futuro. Quando a capacidade de prever a trajetória dos preços é baixa, os reajustes preventivos tendem a ser maiores. Para Rands, parte da inflação atual resulta da incerteza sobre os objetivos do governo. Com a nova meta, a pressão tenderia a arrefecer. "Parte do problema hoje é assumir uma meta que todos sabem que não será cumprida", disse.
NERVOSISMO
A mesma estratégia foi adotada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, no início de seu primeiro mandato, quando a meta foi elevada de 4% para 8,5%. O objetivo então era acomodar reajustes de preços provocados pela disparada do dólar ocorrida no ano anterior, quando as incertezas criadas pela eleição de Lula provocaram nervosismo no mercado financeiro. Naquele ano, a inflação foi a 9,3%.
Desta vez, uma meta maior ajudaria a acomodar reajustes de tarifas públicas, como passagens de ônibus e energia elétrica, e o preço da gasolina, que foram represados nos últimos tempos para não pressionar mais a inflação.
Além disso, disse Rands, o futuro governo trabalhará com um orçamento definido neste ano e, por isso, terá limites para reduzir despesas --o que poderia ajudar a diminuir a pressão nos preços. A proposta de Rands foi bem recebida por participantes do encontro de segunda. O ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Sekular Investimentos, disse que a proposta daria mais transparência à política do próximo governo.
"Ela cria uma trajetória de queda da inflação e, em vez de cobrar só no final [se o objetivo foi cumprido], permite analisar ano a ano o comportamento da inflação", disse. Na reunião de segunda, os representantes de Marina também procuraram afastar desconfianças sobre sua capacidade de obter apoio no Congresso para governar. Eles disseram apostar num grande realinhamento dos partidos políticos após as eleições.(Folha de São Paulo)