Para ex-presidente do Banco Central, a crise brasileira
foi ou está sendo forçada para atender interesses a médio e longo prazo
do partido que está no poder.
Gustavo Franco fala de economia com a clareza dos acadêmicos e a
sutil ironia que sempre foi sua marca registrada. Aos 59 anos, o
ex-presidente do Banco Central de Fernando Henrique Cardoso vê com
grande frustração a inflação acima do teto da meta de 6,5% estabelecida
pelo BC, tendo ele participado da formulação do plano Real.
Num momento de forte turbulência, Franco, que é atualmente
estrategista chefe da gestora Rio Bravo Investimentos, vê com bons olhos
os passos do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que está desmontando as
armadilhas herdadas do Governo anterior - dirigido pela mesma pessoa, a
presidenta Dilma Rousseff. Um estoque de desconfiança precisa ser
esvaziado em meio a pressões por impeachment e um Congresso avesso às
medidas petistas.
Pergunta. O que significa a notícia de que a S&P manteve a nota de crédito do Brasil?
Resposta. É uma não notícia. Ninguém pensou que ela
modificaria a nota já que a empresa está na frente das outras duas
agências de rating e já rebaixou o Brasil quando as outras duas não.
Segundo a S&P, o Brasil está exatamente na posição mínima de grau de
investimento.
Portanto, de 0 a 10 é uma nota 5, necessária para passar de ano, ao
passo que a gente está em 5,5 na Fitch Ratings e na Moody’s. Tanto que
se espera que a Fitch vai trazer um downgrade, mas não vai tirar o
investment grade, assim como a Moody’s também. Acho que ambas fizeram
uma pausa para esperar um pouquinho o melhor momento, esperando um
pouquinho o Joaquim [Levy] trabalhar.
Pergunta. A questão do impeachment está muito presente, como mostraram pesquisas recentes...
Resposta. ...Está no preço. Há uma certa maldição na
reeleição. É um anti-clímax. Dá uma sensação de que não mudou nada e
isso geralmente tem um clima ruim no começo do Governo. Me lembro bem do
clima pesado de 1999, mesmo antes da desvalorização. Há uma ressaca que
é meio natural. A da Dilma ficou pior, pois a economia vinha pior. Era
natural que a presidenta reeleita ou outro presidente que ganhasse
trouxesse uma receita de austeridade. Algumas vezes essa receita é bem
recebida, outras não. Neste caso, foi mal recebida, porque a presidente
disse que não faria. A sensação que ela mentiu se tornou muito clara.
Pergunta. A crise que atravessa o Brasil é comparável à crise econômica europeia?
Resposta.
É uma crise mais leve, autoinfligida, não tem nada a ver com a crise internacional.
É uma absoluta tolice dizer que foi a crise internacional que nos
afetou, a nossa está relacionada com medidas macroeconômicas locais
equivocadas que deram errado, simples assim. Acordaram a inflação,
desarrumaram as contas fiscais, que demoraram muito para arrumar, e,
agora temos problemas setoriais, com problemas gravíssimos, como o caso
da Petrobras. Tudo muito reversível. Basta desfazer o que foi feito,
como no caso Petrobras, claro que tem prejuízos que foram criados em
razão de políticas feitas. É necessário desfazer a obrigação que ela tem
em fazer investimentos, torná-la mais leve, recuperar credibilidade.
Está ao alcance do Executivo, como acionista controlador. O obstáculo é
só o de tomar uma decisão que contradiz a sua decisão de anos atrás.
Pergunta. Se numa hipótese extrema houvesse um impeachment, a economia brasileira aguenta o tranco?
Resposta. Aguenta, mas tudo depende do modo que
acontecer, se acontecer. O que eu já vejo delineado, nesse momento, é a
separação das pautas econômicas do Governo conduzidas pelo Joaquim Levy e
as pautas políticas, mais puro sangue petista, que estão encontrando
obstáculos enormes no Congresso e uma oposição aberta do presidente da
Câmara. Por outro lado, Eduardo Cunhatem se mostrado bastante receptivo
às medidas econômicas do ministro Joaquim. Corretamente, ele enxerga
como sendo distantes da pauta petista. É uma pauta do país. O que é
ótimo como sinal de maturidade do Brasil, aonde o Congresso, com todos
os seus defeitos, não quer incendiar a economia.
Ele percebe claramente a necessidade de corrigir as bobagens feitas
anteriormente e, portanto, não esta sendo obstáculo ao trabalho do
ministro Joaquim. Só é possível elogiar, mas vamos ver ainda as medidas
do Levy, que ainda não foram aprovadas, ainda que os primeiros
movimentos parecem indicar que vai haver essa segregação. Nisso, Levy
lembra muito o ministro Marcílio Marques Moreira, que substituiu Zélia
Cardoso de Mello, num momento em que o Governo Collor estava sob pressão
política. O ministro Marcílio conduziu bem a economia com certa
estabilização, para padrões da época, ate a crise do impeachment atingir
o apogeu. (Leia a entrevista completa no EL PAÍS)