Graça Salgueiro relata o surgimento de um bando terrorista revolucionário, seu crescimento e aliança com as FARC, seus vários crimes e conexões políticas, dentre as quais Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT.
O Brasil não pode continuar refém de bandos terroristas como FARC, EPP e PCC.
“O Banco Nacional de Fomento de Choré salvou-se de um bando de toupeiras”, lia-se no título de uma matéria acanhada que aparecia no jornal Última Hora, em 16 de dezembro de 1997, da cidade de Choré, dando conta de que a Polícia havia conseguido desarticular um bando de assaltantes que pretendia assaltar o banco. Eles haviam alugado uma casa em frente e, desde lá, começaram a cavar um sofisticado túnel que já estava com 60 metros de extensão e 1,75 de diâmetro, com exaustor de ar e refletores quando foram detidos.
A Polícia chegou ao bando ao deter Gilberto Chamil Setrini que transportava no carro sacos com terra extraída do túnel, e a partir deste à casa onde foram detidos Carmen María Villalba Ayala, Alcides Omar Oviedo Brítez, Gustavo Lezcano, Lucio Silva e Pedro Maciel Cardozo. Na residência encontraram 9 pistolas 9 milímetros, com 24 cartuchos, uma escopeta Winchester calibre 12, com 50 cartuchos, além de perucas, exaustores de ar e lanternas. O bando se preparava para assaltar o banco que no fim daquela semana iria receber 700 milhões de guaranis para pagar salários de aposentados, ex-combatentes e professores.
Naquela altura, nem os policiais nem a imprensa sabiam que não se tratava de um bando de delinqüentes comuns, mas de uma organização guerrilheira clandestina que começou a se formar cinco anos anos antes, em uma reunião secreta em Asunción, e que aquele frustrado golpe serviria para financiar a luta armada. Tampouco sabiam que aquele grupo inicial viria a se chamar, em 1º de março de 2008, o Exército do Povo Paraguaio (EPP), que há décadas vem banhando de sangue e terror o vizinho país.
Em janeiro de 2012, enquanto estava presa na Colônia Penal de Mulheres do Bom Pastor, Carmen Villalba concedeu uma entrevista a Mina Feliciángeli, diretora da Radio 1000, e confessou que o EPP é o braço armado do Partido Patria Libre: “Nos iniciamos lá e formamos o braço armado. Sempre fomos Patria Libre, por mais que sejamos negados publicamente pelos dirigentes do partido”, conta ressentida. Villalba foi condenada a 18 anos de prisão pelo seqüestro de María Edith de Debernardi, ocorrido em 2001 e nessa entrevista contou a origem do bando.
Pedro Maciel, Alcides Oviedo e Gilberto Setrini eram amigos e haviam ingressadono Seminário da Congregação do Verbo Divino, em Encarnación, nos anos 80, sendo transferidos em 1990 para o Seminario Mayor de Asunción para cursar teologia e se preparar para a etapa final da ordenação sacerdotal. Em Asunción conheceram Juan Arrom que era dirigente universitário e militante de esquerda, que junto com outros amigos freqüentavam esse seminário. Dessa amizade, os três seminaristas passaram a se politizar e reivindicar a ideologia marxista, resultando da expulsão, junto com outros colegas, por participar de atividades políticas.
Juan Arrom vinha de uma trajetória contra o governo do General Alfredo Stroessner e já liderava a “Corrente Patria Libre”, movimento de esquerda que logo depois se converteria no Partido Patria Libre (PPL).
Carmen provinha de uma família numerosa da ala progressista da Igreja Católica da Diocese de Concepción, e já em Asunción, onde freqüentava também o mesmo seminário que Alcides Oviedo, com quem veio a casar-se, conheceu Juan Arrom. Nas reuniões que faziam estabeleceu-se que o Patria Libre seria um partido com existência legal e participação plena no sistema eleitoral, mas com um braço clandestino. Alcides Oviedo e Carmen Villalba realizaram viagens secretas ao Chile em 1995 e 1996, onde fizeram contato com o bando terrorista Frente Patriótico Manuel Rodríguez, e com quem tiveram seu primeiro treinamento em técnicas de guerrilha urbana e rural, inclusive seqüestro de pessoas, construção de esconderijos, ataques a postos policiais, manejo de armas e explosivos.
Após sair da prisão, pelo frustrado assalto ao banco, os membros do grupo deram seu primeiro golpe exitoso: o seqüestro de María Edith Bordón de Debernardi, esposa de um engenheiro pertencente a uma família rica e poderosa. María Edith foi seqüestrada em 16 de novembro de 2001, no Parque Ñu Guasu de Asunción. Foi mantida em cativeiro e libertada em 19 de janeiro de 2002, após o pagamento do resgate no valor de um milhão de dólares. Foi considerado o início da “indústria do seqüestro” no Paraguai e um dos maiores escândalos do país, quando a Polícia e o Ministério Público descobriram que entre os autores encontravam-se os conhecidos líderes do Partido Pátria Libre, Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán Ortega, que foram declarados desaparecidos quando se decretou sua captura.
Arrom, Martí e Colmán foram a julgamento nessa ocasião mas não ficaram detidos, quando resolveram fugir para o Brasil. Segundo eles relatam, foram torturados em seu país para confessar um crime que não cometeram e com ajuda de familiares conseguiram fugir para o Brasil atravessando, sem nenhum problema, a Ponte da Amizade. Aqui chegando não procuraram ajuda do governo mas sim do advogado Marcos César Santos Vasconcelos, que na ocasião trabalhava como assessor técnico da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em Brasília, presidida pelo então deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Greenhalgh e Marcos César de imediato abraçaram a causa e levaram o caso ao CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados).
Segundo Marcos César, “ouvi a história deles e procurei a versão do Estado paraguaio. Depois de três dias de conversa, decidi ajudá-los porque acreditei neles”. A justiça paraguaia apresentava provas testemunhais dadas por Marco Alvarez, pessoa que entregou o dinheiro do resgate a Arrom; Francisco Griño, que reconheceu Victor Colmán que também estava presente no recebimento do dinheiro; além das cópias das notas pagas pelo resgate que eram as mesmas dos US$ 50 mil apreendidos com Arrom, entretanto, Greenhalgh e seu assessor preferiram acreditar apenas na palavra dos criminosos.
O CONARE aceitou os argumentos de Marcos César e concedeu o refúgio aos três criminosos em dezembro de 2003, malgrado todos os esforços do então procurador-geral do Ministério Público do Paraguai, Osmar Germán Latorre. A Procuradoria do Paraguai contestou tais refúgios e pediu uma revisão, alegando que não se tratavam de perseguidos políticos mas de criminosos comuns, enviando documentos ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil em maio de 2004, em julho de 2005 e finalmente em 2006. Nesta última solicitação o CONARE alegou que “os argumentos estabelecidos pelo Paraguai não justificavam a revisão” e manteve o status. Latorre queixou-se de que passado todo este tempo, as autoridades do Paraguai sequer foram informadas dos fundamentos utilizados para a concessão do refúgio.
O caso porém não se resume a apenas isto. Com a morte de Raúl Reyes e as descobertas dos seus computadores, encontrou-se várias correspondências trocadas entre os membros do Secretariado, uma das quais em 10 de outubro de 2003 entre Rodrigo Granda e Reyes, em que Granda dava a conhecer o destino de US$ 300 mil que fazia parte do resgate de María Edith Bordón, cuja negociação foi feita em território brasileiro. No item 3 da mensagem, diz Granda: “Tino ajudou a trazer 60 mil e RT 20. Com Camilo deixaram 20, outros 20 ficaram em Asunción e os 30 para novo trabalho no futuro com os 'contadores de piadas'. Na caixa de segurança onde mora Albertão ficaram 150”.
Ocorre que “Camilo” é Oliverio Medina, o “embaixador das FARC no Brasil”, e também protegido pelo CONARE, e “Albertão” é o vereador Edson Albertão, ex-PT e posteriormente do PSOL, que “guardou” 150 mil dólares resultantes de um seqüestro que fora planejado no Brasil. Apesar de ter conhecimento desses fatos, e de saber que no Brasil crime de seqüestro é inafiançável, o CONARE não vê motivo para a revogação do refúgio, mesmo estando provado que foram os três paraguaios que realizaram o seqüestro com ajuda das FARC.
Em 21 de setembro de 2004 outra notícia comoveu o Paraguai quando Cecilia Cubas, filha do ex-presidente da República, Raúl Cubas, foi seqüestrada ao chegar em casa. Seus familiares pagaram o resgate exigido pelo EPP mas Cecilia não foi libertada. Em 16 de fevereiro de 2005 seu corpo foi encontrado depois de um mês de assassinada, em estado de decomposição. Foi cobrado e pago um resgate de US$ 3 milhões e Arrom ficou com U$ 1,3 milhão. O CONARE confirma que Arrom pediu autorização para viajar à Foz justo no segundo semestre de 2004 e, ainda assim, não crê nas provas.
Em diligências realizadas na casa de Osmar Martínez, presidente do PPL, para investigar o envolvimento de Arrom, Martí e Colman no seqüestro e assassinato de Cecilia Cubas, encontrou-se duas coisas muito curiosas. Um e-mail escrito por Arrom a Martínez, pedindo para enviar US$ 2 mil para arcar com as despesas dos três no Brasil, onde os dados para depósito são a conta bancária de Marcos César Vasconcelos - o assessor de Greenhalgh -, inclusive seu CPF e endereço residencial em Brasília. E noutro e-mail, um encontro que houve entre estes três personagens com Osmar Martínez, mais um colombiano e ao menos um brasileiro, em Foz do Iguaçu (PR), em agosto de 2004.
O envolvimento do EPP e do PPL com as FARC vem desde fins de 2004, quando um grupo de aproximadamente 20 pessoas, incluindo homens e mulheres, recebeu treinamento guerrilheiro nos montes de Sidepar 3000, Canindeyú. Segundo Rubén Dario Bernal, um jovem camponês que afirma ter sido recrutado nessa data pelo grupo armado, e que em abril de 2006 desertou e se entregou às autoridades. Ele afirma que a coluna armada com uniforme militar tipo camuflagem e armamento de combate moderno (fuzis de assalto AK 47, FAL, M 16, AR 15, metralhadoras Uzi, pistolas 9 mm e lança-granadas), foi treinada e assessorada por dois guerrilheiros das FARC. O Ministério Público acredita que os membros das FARC eram Orlay Jurado Palomino e Rodrigo Granda, os mesmos que circulavam livremente no Brasil com o conhecimento da Polícia Federal e da ABIN e que planejaram, em nosso território nacional, o seqüestro e assassinato de Cecilia Cubas.
Desde então, os seqüestros não pararam mais. Em 31 de julho de 2008, o criador de gado e ex-intendente de Tacuatí, Luis Alberto Lindstron, foi seqüestrado, e após o pagamento de 130 mil dólares foi libertado em 12 de setembro de 2008. Em 31 de maio de 2013, entretanto, Lindstron foi assassinado por haver “desobedecido” as “leis revolucionárias” do pagamento de um “imposto revolucionário”, prática sem dúvida alguma adquirida das FARC, que obriga os estancieiros e grandes produtores da região a pagar mensalmente uma quantia estipulada pelo bando terrorista. Quem descumpre com a “lei”, paga com a vida. Em 16 de outubro de 2009, outro fazendeiro foi seqüestrado. Fidel Zavala foi seqüestrado na fazenda Mabel, de sua propriedade, e libertado em 17 de janeiro de 2010, após o pagamento de 550 mil dólares.
Desde que o ex-presidente Fernando Lugo assumiu o governo do Paraguai, os assassinatos, justiçamentos e seqüestros promovidos pelo EPP se incrementaram no país e, hoje a luta contra o bando guerrilheiro se vê bastante debilitada pela força que adquiriu durante seu governo. Em maio de 2012 a fazenda “Campos Morombi” foi invadida por uma centena de delinqüentes que se diziam “camponeses”, que protestavam pela reforma agrária prometida e até então não cumprida por Lugo. Depois de três semanas de ocupação, o Ministério do Interior ordenou a desocupação pela força, resultando em enfrentamentos que deixaram um saldo de 17 mortos (onze camponeses e seis policiais), provocando fortes críticas dos socialistas. Lugo destituiu o ministro do Interior Carlos Filizzola e o Comandante da Polícia Paulino Rojas, dando apoio aos invasores.
Esta foi a gota d’água para a sua destituição da presidência da República, em 22 de junho de 2012, cumprindo com o que reza a Constituição Nacional. Lugo é tido por muitos como um dos ideólogos do EPP, inclusive seu vice-presidente Federico Franco, que aceitou participar da chapa sem saber de seus vínculos com o bando terrorista, o acusou publicamente várias vezes, e depois, já como presidente, atribuiu à lassidão no combate ao EPP por parte de Lugo, o crescimento da guerrilha que naquela altura contava com 100 membros ativos.
Até 2012 o EPP era acusado de haver assassinado umas 28 pessoas (17 civis e 11 policiais), e de haver realizado mais de vinte ataques, queimar propriedades, postos policiais e militares, estâncias e estabelecimentos rurais. A Polícia Anti-Seqüestro havia dado baixa em alguns guerrilheiros e prometeu segurança para uma informante, Eusebia Maíz, que era tia de três integrantes do EPP. Através do parentesco com os guerrilheiros, Eusebia forneceu informações sobre o seqüestro de Fidel Zavala mas a Polícia não cumpriu com sua parte. Em setembro de 2012 seus sobrinhos, Bernardo Bernal Maíz “Coco” e Antonio Ramón, foram à sua casa à noite e a assassinaram explodindo sua cabeça com uma bomba, deixando sete filhos menores órfãos como vingança pelas delações.
Em 04 de abril de 2014, depois de ficar desaparecido por vários dias quando saiu para caçar, foi encontrado o corpo sem vida de Isaac Arce, em Paso Tuyá, no estado de Concepción, um município onde vivem umas 75 famílias de emigrantes brasileiros dedicados à agricultura. Segundo o laudo forense, ele foi justiçado pelo EPP: primeiro foi posto de joelhos e depois deram três tiros, dois na nuca e um no ombro. No dia 02 de abril, na mesma localidade, os guerrilheiros do EPP seqüestraram o brasileiro Arlan Fick Bremm, de 16 anos. Durante o seqüestro houve um enfrentamento, deixando um saldo de dois guerrilheiros e um policial mortos.
No mesmo dia do seqüestro, o EPP exigiu da família de Arlan o pagamento de 500 mil dólares que foi prontamente realizado. No momento da entrega do dinheiro os terroristas impuseram outras condições: que entregassem à imprensa um CD com um vídeo de propaganda do bando e que distribuíssem 50 mil dólares em alimentos pelas comunidades pobres. Tudo foi cumprido no prazo de uma semana, mas há quase 70 dias do seqüestro não há qualquer notícia sobre Arlan, nenhuma prova de vida foi entregue.
O assessor de Luis Alberto Figueiredo, ministro de Relações Internacionais do Brasil, disse em entrevista que o governo brasileiro pôs a estrutura da Polícia Federal à disposição do governo do Paraguai, mas o Ministério Público, o Ministério do Interior e Justiça e a Polícia do Paraguai dizem que solicitaram e estão dispostos a aceitar a ajuda brasileira, pois reconhecem que nós temos mais recursos e tecnologia mais avançada, dando a entender que a oferta não chegou a eles até o momento.
Mais de 60 vídeos gravados pelos membros do EPP ao longo de cinco anos, foram encontrados na dia 9 de junho último, em decorrência da investigação do seqüestro de Arlan. Não se sabe como esses vídeos vazaram para a imprensa, o que causou grande mal estar no Ministério Público, pois um dos vídeos divulgados ia ser usado no julgamento oral de “Matungo”, um dos acusados do seqüestro de Fidel Zavala. O ministro do Interior, Francisco de Vargas, entretanto, não vê qualquer inconveniente mas o fato é que, com essa divulgação, não se sabe o que pode vir a acontecer com Arlan, caso ele ainda esteja vivo, pois todas as exigências foram cumpridas há dois meses e nenhuma prova de vida foi dada.
Agora o deputado federal pelo PSDB do Paraná, Luis Carlos Hauly, ao tomar conhecimento do caso Arlan pôs o dedo na ferida. Solicitou ao Ministério de Relações Internacionais e Defesa Nacional, que convoque o chanceler Luis Alberto Figueiredo e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, para esclarecer questões relativas ao Paraguai. A principal delas é a concessão de refúgio dada aos terroristas Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán, membros do PPL e EPP que vivem comodamente no Brasil, e desde nosso território nacional continuam comandando operações de seqüestro, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.
O Brasil não pode continuar refém de bandos terroristas como FARC, EPP e PCC que, ademais de se declararem marxistas-leninistas, anti-capitalistas e anti-imperialistas, atuam conjuntamente em nosso continente, sem que o Parlamento brasileiro tome uma atitude enérgica de denunciar e cooperar com os países vizinhos para o fim do terrorismo na região.
Publicado no Digesto Econômico.
Graça Salgueiro é jornalista. Estudiosa da estratégia e ações da esquerda latino-americana lideradas pelo Foro de São Paulo no continente, edita o blog Notalatina e tem seus artigos publicados no site argentino La Historia Paralela. Também apresenta o programa Observatório Latino na Rádio Vox.